Fala do BC é sinal de que Selic subirá acima dos padrões, diz economista
Presidente do Banco Central falou sobre a taxa básica de juros e repasse de preços pela Petrobras
Em entrevista concedida ao presidente do BTG Pactual, Roberto Sallouti, no evento MacroDay 2021, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse nesta 3ª feira (14.set) que a autoridade monetária levará a taxa básica de juros, a Selic, para o patamar necessário à manutenção da inflação dentro da meta -- cujo centro é de 3,5% --, mas que não necessariamente reagirá a "dados de alta frequência". A declaração é vista por economistas como um sinal não só de que a Selic subirá nos próximos meses, mas do modo como isso será feito.
"A gente tem um instrumento na mão que vai ser usado da forma como ele precisa ser usado e a gente entende que a gente pode levar a Selic até onde precisar ser levada para que a gente tenha uma convegência da meta. Mas a gente também gostaria de dizer que isso não significa que o BC vai reagir, vai ter alterações no plano de voo a cada dado de alta frequência que sai", pontuou Campos Neto.
Segundo César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), "já se fala em um aumento acima de 1% [na Selic] para a próxima reunião do Copom [Comitê de Política Monetária], então o que o presidente do Banco Central nessa declaração privada fez é dar essa sinalização para o mercado de que a taxa vai subir acima inclusive dos padrões que o Banco Central está utilizando". Para o economista, os últimos reajustes feitos pela entidade na Selic deveriam ter sido maiores e, agora, o Copom promoverá aumentos "abruptos" que podem impactar o crédito e as finanças públicas,"porque cada ponto percentual no aumento da taxa são mais R$ 40 bilhões de pagamento de dívida, em função dos juros".
O professor de economia Roberto Ellery Júnior, da Universidade de Brasília (UnB), concorda que a taxa básica "não está alta suficiente pra começar a combater a inflação". Em agosto, a Selic foi reajustada de 4,25% para 5,25%. Porém, segundo Roberto, ela deveria ser de no mínimo 6,5%, tendo em vista uma alta generalizada de preços acumulada de 9,68% nos últimos 12 meses no Brasil.
Diante da fala de Campos Neto sobre o BC não necessariamente reagir a dados de alta frequência, o professor reflete ainda que a entidade pretende manter uma cautela para fazer os reajustes, mas que os números sobre a inflação divulgados até o momento "não são exatamente de alta frequência". "A inflação está aumentando desde 2018. 2018 teve choque de caminhoneiro, é verdade, mas em 2019 foi maior que 2018, em 2020 foi maior que 2019 e agora nós estamos com esse crescimento alto. Então, o que a gente tem é um processo de longo prazo de crescimento da inflação, o que não é o desejado. Se você olhar, enquanto a meta está caindo, a inflação está subindo, o que mostra que tem um descompasso entre o objetivo do banco e a própria política", completou.
Analisando a frase do presidente do BC nesta 3ª feira, em entrevista ao SBT News, o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, também afirmou que a autoridade monetária "talvez esteja se posicionando para ser mais cautelosa, nesse momento no cenário". Segundo ele, altas de mais de 100 pontos-base [na Selic] são muito pouco comuns ao Banco Central. Estão tomando algum cuidado pra não exagerar a dose".
Política de preços da Petrobras
Ainda no MacroDay 2021, Campos Neto falou sobre o impacto das commodities -- produtos básicos globais não industrializados -- nos preços dos mercados nacionais. De acordo com o presidente do BC, repassar os valores delas para o preço interno ocorre com mais velocidade no Brasil. "Lembrando que a Petrobras, por exemplo, passa preços muito mais rápidos que grande parte dos outros países. A gente tem olhado isso também", acrescentou.
Ao SBT News, o professor da UnB classificou a frase como "muito infeliz". Segundo ele, "a política monetária não se faz em cima do preço do bem um, dois ou três. Ela tem que controlar a própria moeda, para garantir que a moeda esteja saudável, e isso não vai impedir o aumento de preço, mas não vai contaminar a economia. Então você vai ter aquele bem mais caro. O que nós estamos vendo no Brasil é o aumento de vários preços, o que é um forte indício de que o problema está na moeda, não nos preços".
O presidente do Corecon-DF também critica a declaração e diz que "a Petrobras tem mantido uma ação profissional com relação aos repasses". "O que eu realmente destaco é que ninguém fala em aumentar os impostos de exportação de petróleo, porque o Brasil é superavitário em petróleo, e ninguém fala para, por exemplo, amenizar um pouco os aumentos com ganho na área de impostos de exportação. Se o Brasil exporta petróleo, deveria então criar uma alíquota para cobrar, para amenizar os preços de teste com relação ao petróleo importado, e o que faz aumentar o petróleo é a gasolina importada, é a falta de refinaria, são questões estruturais", completou.
Já André Perfeito pondera que não é possível dizer se a fala de Campos Neto "foi no sentido de reprimir a Petrobras na política de preços da empresa". Também em suas palavras, "de fato mesmo, você tem altas muito mais fortes [nos preços] e muito mais fortes do que talvez seja desejado. Eu acho que foi no sentido de apontar um desafio que é importante para a política monetária".
Inflação no mundo
Em outro momento da entrevista para o presidente do BTG Pactual, Campos Neto afirmou que o BC espera "que o processo inflacionário em grande parte do mundo seja mais prolongado". Na avaliação do professor Roberto, da UnB, é inegável existir uma aceleração da inflação no mundo, mas no Brasil "a coisa é bem mais drástica". De acordo com o economista, a brasileira "está bem maior que a de outros países, [como] Colômbia, Bolívia, Chile".
Ele acrescenta que "de certa forma a elevação é esperada, porque o que acontece com a pandemia, que no Brasil é agravada aí com a seca e o choque de energia, é que você consegue produzir menos. Caiu nossa capacidade de produção. Muita empresa quebrou. Muito componente sem fazer. Por outro lado, os governos começaram a gastar muito e os bancos centrais a reduzir muito os juros. Ou seja, estimularam as pessoas a ir às compras, para proteger a economia".
O economista-chefe da Necton também enxerga a inflação -- provocada, entre outras coisas, segundo ele, pela escassez de componentes para serviços tecnológicos -- como um desafio para autoridades monetárias de todo o mundo, mas com uma dinâmica diferente no Brasil. "O Banco Central brasileiro está de olho nisso. Quer saber o quanto dessa mudança microeconômica por conta da pandemia alterou os hábitos de consumo do brasileiro. Por exemplo, hoje em dia a gente consome muito mais serviços de entrega do que propriamente no restaurante do lado de casa. Isso daí é uma coisa que talvez tenha vindo pra ficar", pontuou.