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Congresso

Famílias de vítimas à CPI: "Dor é grande, mas vontade de justiça é maior"

Comissão ouviu relatos emocionados de quem teve a vida devastada pela doença

Imagem da noticia Famílias de vítimas à CPI: "Dor é grande, mas vontade de justiça é maior"
cpi da covid
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"Foi uma diferença de 14 dias da morte do meu pai e da minha mãe. Hoje, a gente vive uma vida triste, com uma ou outra coisa que deixa a gente alegre", disse Giovanna Gomes Mendes da Silva. Com a morte dos pais, a jovem de 19 anos vai assumir a guarda da irmã de dez anos, se tornando a nova chefe da família. Esta é uma das histórias trágicas contadas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia nesta 2ª feira (18.out). 

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Foram sete depoimentos sobre a dor da perda de pessoas amadas. Depoimentos de cobranças e indignação pela falta de gestão no combate à pandemia de covid-19. Depoimentos de elogios ao trabalho de profissionais da área de saúde. Depoimentos de questionamentos sobre o que vai acontecer com as vítimas. O senador Humberto Costa (PT) definiu esta como uma das sessões mais importantes da comissão. 

Giovanna perdeu os pais para covid
Ela conta à CPI da Pandemia ter perdido a mãe, que era transplantada e fazia hemodiálise, para a covid-19, e o pai, que sofria de câncer e também teve covid-19 |  Edilson Rodrigues/Agência Senado

Giovanna da Silva, a jovem que vai ter a guarda da irmã de dez anos, perguntou ao senadores sobre como vai ser daqui pra frente para ela e para outros órfãos da covid, que precisam de ajuda financeira e psicológica. Kátia Shirlene Castilho dos Santos, que também perdeu os pais para o coronavírus, ressaltou em seu depoimento que não conseguiu prestar nenhuma homenagem ao seu pai. "O moço da funerária perguntou se poderia deixar o corpo do meu pai no chão, porque outros corpos não paravam de chegar. O corpo do meu pai ficou na terra. Conseguimos fazer uma oração rápida de despedida do homem que nos [ela e a irmã] ensinou a ser as mulheres que somos hoje", disse.

Kátia perdeu os pais para a covid-19
Depoente Kátia Shirlene Castilho dos Santos perdeu pai e mãe. Ela acompanhou a mãe em sua internação na Prevent Senior, em São Paulo, e o tratamento com base no "kit covid" | Edilson Rodrigues/Agência Senado

Kátia também criticou a ironia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao imitar uma pessoa com falta de ar. "Quando a gente vê o presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar, se ele tivesse ideia do mal que ele fez pra Nação, ele não faria isso. Perdi meu pai e minha mãe, os amores da minha vida. A dor é grande, mas a vontade de justiça é maior. Esse lugar [CPI da Pandemia] representa pra mim, uma vitória, porque eu sei que a justiça vai acontecer." Ela ainda falou da importância da vacinação e pediu para que todos tomem o imunizante, oportunidade que sus pais não tiveram.

Crise em Manaus

Mayra Pires Lima, enfermeira, viu sua irmã morrer em decorrência da falta de oxigênio em Manaus, no Amazonas. Ela, que atuou durante o colapso em hospitais na cidade em janeiro de 2021, relatou sobre o período aos senadores. "Falar que nós [profissionais da saúde] somos heróis é muito fácil, mas representar por meio de atos é muito difícil. A cidade inteira estava doente. A cidade de Manaus estava um deserto, as únicas pessoas na rua eram os profissionais de saúde. Todos os dias via dez pessoas morrerem na minha frente, elas agonizavam e morriam. Tínhamos cinco técnicos de enfermagem para cuidar de 80 pacientes", contou Mayra, que contraiu a doença duas vezes.

Gestão da pandemia

Arquivaldo Bites Leão Leite também teve covid-19, há três meses, e contou do medo e das sequelas em decorrência do coronavírus. "De noite eu pensava que não ia amanhecer o dia. Quando o tempo vai esfriando um pouco mais, a gente vai sentindo a falta de ar. Sofri um derrame facial, auditivo e ocular. A partir do dia do derrame, não consegui mais andar sozinho. Eu começo a andar e me desequilibro. Perdi a audição do ouvido direito e, com isso, a gente perde o equilíbrio", disse. Arquivaldo ainda criticou a atuação do governo federal no combate à pandemia e fez dois pedidos aos senadores: garantia da memória e cumprimento das normas sanitárias por todos, inclusive por Bolsonaro.

"Esse presidente da República provocou um genocídio premeditado ao atrasar as vacinas.[...] Trago dois pedidos à CPI, garantir memória das vítimas e da forma como foi cuidada ou não cuidada a pandemia no Brasil em 2020 e 2021. É fundamental que a gente garanta a memória do que estamos passando para que nunca mais no Brasil se repita o que está acontecendo agora. Para que nunca mais o presidente da República vá à rua sem máscara e incentive, que faça provocações, cometa ilegalidades e crimes. Uma forma para punir, evitar que esse cidadão continue fazendo o que ele está fazendo. Sei que a lei é feita para todos cumprirem, mas aqui no Brasil o presidente faz questão de não cumprí-la. Infelizmente, parece que a legislação ainda não tem uma forma de evitar o abuso de autoridade. Então garantir a memória e constituir leis que empoderem um fiscal da vigilancia sanitária para barrar um cidadão, um prefeito, um governador, um deputado, um senador, um ministro do Supremo e até o presidente da República", cobrou Arquivaldo.

Arquivaldo
À bancada, depoente Arquivaldo Bites Leão Leite, em tratamento com graves sequelas | Edilson Rodrigues/Agência Senado

"Bola teve a vida abreviada por uma política genocida. Senhores, tem várias maneira do Estado matar o seu povo e a falta de políticas públicas é uma dessas", disse Rosane Maria dos Santos Brandão, que perdeu o marido , João Brandão, conhecido como Bola. Ela pediu coragem aos senadores, para que "entreguem um relatório final fiel às barbaridades e atrocidades que vocês ouviram aqui". 

"Se manifestaram aqui, através de nós, todas as vozes, pessoas que perderam seus amores, vítimas do negacionismo, da incompetência, da ignorância, da maldade, das fake news que levaram o nosso país ao caos. Senadores, vocês precisam de coragem, não entrem para a história ombreando com os fascistas e canalhas, coloquem um ponto final neste genocídio. Nossa esperança está nesta Casa", afirmou Rosane.

Trabalho da CPI

Elogios ao trabalho dos senadores da CPI da Covid estiveram presentes na maioria dos relatos. O último, de Márcio Antônio do Nascimento Silva, que ficou conhecido por ser o homem que recolocou as cruzes na areia durante homenagem às vítimas da doença na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 11 de junho de 2020, disse que a CPI foi um alívio depois dos "e daí?" do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, que o homem ouviu após a morte do filho, Hugo Silva em 20 de abril de 2020. "A última mensagem do meu filho foi: 'Pai eu acho que eu não vou conseguir'. O Hugo eu não consegui cuidar dele, não é só pela dor da morte, mas por tudo que vem depois, cada deboche, cada ironia. Por isso que essa CPI foi muito importante pra mim, não me deu um 'e daí'. Me senti aliviado pelas instituições fazerem alguma coisa pela gente. O meu ato ali [em Copacabana] foi de resistência, vim de origem quilombola, e vi que ninguém se mexia ou fazia nada. Ele vai tirar [as cruzes] e eu vou colocar de volta. Será que esse cara não sente que tá pisando na cova do meu filho?", disse Márcio. 

Márcio perdeu o filho Hugo
"Quando descobriram que era apenas um pai que estava triste pelo seu filho, foi um constrangimento geral", relembra Márcio| Edilson Rodrigues/Agência Senado

"Por que lutar contra máscaras? Por que lutar contra vacinas? Esse garoto não tem culpa de nada não, daria tudo para que ele tivesse sido vacinado, daria tudo para ter orientação e nós não tivemos. Eu como pai eu só quero entender o porquê. O último momento que eu tive com meu filho, ele estava dentro de um saco. Como pai era a última coisa que eu tinha que fazer por ele: reconhecer. Não pude dar um último abraço, um último beijo, levei uma roupa para vestí-lo, tive que ficar fora do cemitério olhando um carro que sabia que meu filho estava lá. Essa dor não é 'mimimi', são vidas, são pessoas que a gente ama. Eu espero que quando esse relatório chegar nas mãos das pessoas que devem chegar, eles nos escutem. Nós merecíamos um pedido de desculpa da maior autoridade do país. Não é questão política, se é um partido, se é de outro, estamos falando de vidas. Nossa dor não é 'mimimi', não somos palhaços, é real. Achei por muito tempo que política não serve para nada, política serve pra tudo, aqui está a causa, mas a consequência chega nas 7h que meu filho demorou pra chegar no respirador", concluiu Márcio. 

Após todos os depoimentos, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, finalizou a sessão prestando uma homenagem às vítimas: "Não esqueceremos, por hoje, pelo amanhã e pelo sempre. [...] Não temos o direito de aprovar um relatório que não seja contudente e forte. Ele tem que estar à altura da memória dos mais de 600 mil mortos."

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