COMO VERIFICAMOS: Polarização intensifica desinformação sobre a transposição do Rio São Francisco
Confira a verificação realizada pelos jornalistas e redações integrantes do Projeto Comprova
ESTUDO DE CASO: O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações feitas em 2023 para mostrar como e porquê investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet. É o caso da transposição do Rio São Francisco, obra de grandes proporções, cara e marcada por problemas de planejamento e execução. O projeto tem como objetivo levar água do Velho Chico para as regiões que sofrem com a seca e a estiagem, no semiárido do Nordeste brasileiro.
Diante do tamanho, da complexidade e do impacto social e político da transposição do Rio São Francisco, a obra iniciada no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2007 e 2010, é alvo de disputas e, consequentemente, tema corriqueiro de desinformação.
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Conteúdos falsos, enganosos e tirados de contexto sobre o assunto começaram a circular mais amplamente em 2019, primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (PL), e o problema se intensificou entre 2022 e 2023, por conta das eleições presidenciais e da transição para um novo governo Lula.
Nos últimos anos, o Comprova e agências de checagem pelo Brasil desmentiram ao menos 30 conteúdos sobre o assunto – desde a responsabilidade por entregas até o funcionamento das estações de bombeamento e dos canais.
Diante deste cenário, a equipe produziu em setembro passado um Comprova Explica que detalha de que forma a polarização política intensificou a desinformação em torno da maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil e que está localizada em uma região fundamental do ponto de vista político e eleitoral.
Como verificamos
Esta publicação não foi um texto habitual do Comprova. O objetivo era explicar como a polarização política em torno da obra de transposição vem gerando desinformação sobre o tema há bastante tempo – e como conteúdos variados, publicados por tipos diferentes de internautas, já tinham sido desmentidos diversas vezes pelo próprio Comprova e por agências de checagem, inclusive de veículos parceiros do projeto.
O primeiro passo, então, foi fazer um levantamento no Google de todas as verificações publicadas a respeito da obra que atende municípios do semiárido nordestino. Só o Comprova já tinha publicado mais de dez checagens sobre o assunto. O próximo passo foi mapear, literalmente, os pontos da obra que já tinham sido alvo de desinformação.
A apuração mostrou que os conteúdos desinformativos não faziam distinção entre os dois eixos da obra – Norte e Leste –, mas que o primeiro eixo havia ficado mais tempo em evidência porque, em novembro de 2022, foi identificado um defeito na Estação de Bombeamento EBI-3, na cidade de Salgueiro (PE), que impediu o funcionamento das bombas e suspendeu a liberação de água para os canais do Eixo Norte.
Como a estação só teve o funcionamento interrompido em janeiro deste ano, para a realização do reparo necessário, diversas publicações passaram a acusar o governo Lula de desligar as bombas da transposição deliberadamente, com a intenção de deixar a população sem água e sofrendo com a seca. Isso gerou conteúdos desinformativos sobre a Barragem de Jati (CE) e suas cascatas, que podem ser vistas das margens da rodovia CE-153, sobre o Reservatório de Negreiros (PE) e sobre a Estação de Bombeamento Vertical EBV-6, em Sertânia (PE).
Antes disso, publicações já atribuíam falsamente ao governo Bolsonaro entregas no Eixo Norte, como o Canal de Penaforte (CE), as estações de bombeamento EBI-1 e EBI-2, em Cabrobó (PE). No Eixo Leste, entregas feitas por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) também foram falsamente parar na conta de Bolsonaro: a inauguração da Ponte do Rio da Barra (PE) e do canal do Rio do Feijão (PB), por exemplo.
Além disso, vídeos mostravam canais de outra obra – o Cinturão das Águas do Ceará (CAC) –, alguns ainda em construção, como se fossem da transposição, sem água. No Eixo Leste, até uma valeta de escoamento de água da chuva, seca, foi falsamente identificada como um canal da transposição sem água, graças ao atual governo.
Visualização dos dados
Em vez de apenas citar os pontos da transposição que já tinham sido alvo de conteúdos falsos ou enganosos, o Comprova optou por exibir essas informações em um mapa. Para isso, foi usada uma ferramenta de código aberto chamada Story Map JS, criada por uma comunidade de designers, desenvolvedores, estudantes e educadores do Knight Lab, da Northwestern University, nos Estados Unidos.
A ferramenta permite navegar por pontos em um mapa e apresentar um pequeno resumo de cada ponto sinalizado, além de levar diretamente, por meio de links, às verificações em destaque.
Para este Compra Explica, também foram consultados órgãos oficiais, entrevistados especialistas em seca e cientistas políticos sobre os desafios de convívio com o semiárido e as razões para que uma obra desta magnitude e de tamanho impacto na população nordestina seja alvo de tanta polarização.
Busca reversa de imagens e geolocalização
Na maioria das checagens sobre a transposição, a busca reversa de imagens e a geolocalização foram fundamentais para identificar os pontos alvo de desinformação. Isso porque, em geral, os autores dos conteúdos não fornecem informações precisas – muitas vezes, propositalmente – sobre o local em que gravam as imagens.
Em outros casos, os autores oferecem informações genéricas – como o estado em que o vídeo foi gravado – e aplicam zoom à imagem, de modo que a qualidade fica reduzida e se torna ainda mais difícil visualizar pontos que ajudem na identificação.
Em praticamente todos os casos citados neste Comprova Explica, foi feita uma busca reversa de imagens levando em conta alguns elementos nos vídeos – como trechos de rodovias, pequenas construções, placas de veículos e até postes de iluminação pública.
Foi o caso específico de uma das checagens mapeadas, feita pelo Estadão Verifica, parceiro do Comprova, desmentindo um vídeo que mostrava uma valeta de escoamento de água da chuva falsamente identificada como um canal da transposição sem água, o que se daria por culpa do atual governo.
Neste caso, a busca reversa de imagens não bastou para localizar o ponto em que o vídeo havia sido feito porque a imagem tinha um zoom aplicado e exibia, com qualidade muito ruim, apenas uma valeta sem água, alguns postes de alta tensão e de iluminação pública, e uma pequena construção que se assemelhava a uma casa de máquinas.
Foi necessário consultar um engenheiro que trabalhou na obra para identificar se a imagem poderia ter sido feita no traçado da transposição. A partir da resposta de que o vídeo exibia uma valeta de drenagem – e não um canal – foi usada uma ferramenta de geolocalização da Bellingcat, o OpenStreetMap, que cruza dados de uma área em um mapa com elementos como postes, rodovias, construções, cursos d’água e áreas urbanas e rurais.
Os dados encontrados, então, foram novamente cruzados até que fossem exibidos resultados apenas em áreas rurais próximas ao traçado do Eixo Leste da transposição. Por fim, foram buscados vídeos feitos por motoristas em pontos que havia sido identificados no mapa, até se obter a confirmação, por imagem, de que o vídeo que acusava o governo de deixar sem água um canal da Transposição que levava água à Paraíba tinha sido feito, na verdade, mostrando uma valeta de drenagem de água da chuva em Sertânia (PE).
Contato com moradores locais
Um fator dificultador para as verificações sobre a transposição é o fato de os canais, nem sempre, poderem ser vistos a partir de rodovias. Em geral, eles cortam regiões do semiárido que não estão muito próximas de estradas e, por isso mesmo, a visualização de imagens em melhor qualidade por meio de ferramentas como o Google Street View se torna impossível.
Uma solução para estes casos tem sido buscar contato com moradores das regiões atendidas pela transposição que costumam fazer registros para o YouTube da situação da transposição e dos canais – quando têm água, quando não têm e quais as razões para o bom ou mau funcionamento.
Não raro, esses moradores se disponibilizam a ir até o local, próximo de suas casas, na zona rural, mostrar a situação do local em tempo real – ou o fazem com tanta frequência que é possível checar informações de vídeos virais em outras redes apenas a partir da comparação.
Conclusão
O Comprova Explica é um modo de investigar os contextos de fatos a partir dos quais são produzidas peças de desinformação e assim dar aos leitores informação contextual que permita elevar a capacidade crítica para os conteúdos desinformativos.
O texto Polarização intensifica desinformação sobre transposição do São Francisco; entenda foi produzido por Clarissa Pacheco (Estadão Verifica) e Maria Cecília Zarpelon (Plural). A investigação foi revisada e ratificada por jornalistas de A Gazeta, Nexo, Metrópoles, Folha de S.Paulo, SBT e SBT News.
Caso relatado por Clarissa Pacheco (Estadão)
Investigação e verificação
Estadão e Plural participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos NSC, UOL, Alma Preta, Folha, CBN, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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