Jornalismo
1 ano de Covid-19 no Brasil: luto, negacionismo e busca por dias melhores
Com horizonte turvo à vista, país ultrapassa 250 mil mortes, governos batem cabeça e vacinação segue a passos lentos
SBT News
• Atualizado em
Publicidade
O país nunca mais foi o mesmo desde 26 de fevereiro de 2020. Há exatos 365 dias o primeiro caso de coronavírus foi confirmado no Brasil. A doença foi diagnosticada em um homem após uma viagem à Itália. O mundo já observava a replicação do vírus sob alerta. Sorrisos foram se perdendo aos poucos e deram espaço às lágrimas e ao luto.
Da primeira contaminação ao óbito foram apenas algumas semanas. O dia 12 de março marcou a primeira morte e o início de uma batalha dura. No fim daquele mês, todos os estados brasileiros possuíam pelo menos uma pessoa com a enfermidade.
+ 1 ano de Covid-19 no Brasil: paciente relata sequelas 9 meses após infecção
Para frear a disseminação da Covid-19, o Governo Federal restringiu a entrada de estrangeiros e os governadores e prefeitos passaram a adotar medidas para controlar a pandemia, como o fechamento do comércio e escolas, além da adoção de restrições para circulação. Foi a introdução de uma palavra que segue - e assombra - o mundo até hoje: quarentena.
Em pouco mais de um mês, 200 brasileiros mortos. Os números começavam a inundar as manchetes das notícias e rebater previsões de que a patologia mataria menos que a H1N1, quando 796 indivíduos perderam a vida.
Com o desemprego em alta, o presidente Jair Bolsonaro sancionou um benefício emergencial proposto e aprovado pela Câmara no valor de R$ 600, destinado a trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa. Mães chefes de família receberam a quantia em dobro.
A ajuda financeira chegava e os óbitos subiam: 6,3 mil em abril, apenas um mês e meio depois da primeira confirmada. O Brasil superava a China, epicentro da pandemia, em número de mortos pelo coronavírus.
As diligências impostas pela Saúde, porém, não foram bem aceitas pelo chefe de Estado. Enquanto Luiz Henrique Mandetta, à frente da pasta na época, defendia a quarentena, Bolsonaro resistia ao fechamento dos estabelecimentos para a "economia não parar". O desgaste foi inevitável e o médico foi demitido do cargo. Nelson Teich foi escolhido para substituí-lo, porém ficou menos de um mês no ministério.
No lugar de um médico, um general. Eduardo Pazuello assume a pasta da Saúde de forma interina, em maio. Em meio à corrida por um fim, o governo passa a admitir e estimular o uso de cloroquina como tratamento prévio à Covid-19. Insumos, como equipamentos de segurança e ventiladores pulmonares, tinham distribuição lenta e descoordenada.
A escalada mórbida chegou à marca de 50 mil vidas perdidas por coronavírus em junho. As comparações com guerras mundiais começavam a dar a dimensão da tragédia. Os abismos sociais começavam a se revelar: no Norte, 13 vezes mais mortes que no Sul; os pobres são as maiores vítimas. Nos enterros, a tristeza por velórios restritos e curtos, uma despedida maculada por irresponsabilidades e com "mortos-vivos" abalados pelas partidas.
Na cabeça do brasileiro, um vazio. Afinal, a escalada da doença não encontrava barreiras. Se para o povo era - e ainda é - vazio, em outras, estas governamentais, um bate-bate. Entre batidas e discussões, a barca da peste não dava trégua. Em meio à tormenta, uma esperança começava a surgir: uma vacina contra a Covid-19, com testes do laboratório Pfizer no país.
Máscara, aglomerações, isolamento: palavras que já haviam se tornado parte do vocabulário, mas não dos hábitos. Em julho, Bolsonaro é diagnosticado com a doença, depois de ser visto sem o acessório protetor em meio a apoiadores. Outro hábito teve que ser adiado: as eleições, costumeiramente realizadas em outubro, foram adiadas para novembro.
Foram necessários 30 dias para o número de casos dobrar, chegando a 2 milhões de infectados. Entre os óbitos, a marca dos 100 mil foi ultrapassada em agosto, menos de seis meses da primeira morte registrada. É como se um estádio do Maracanã sumisse, do nada, com mais 20 mil pessoas fora. Mais dias, mais um milhão, e agosto marcou os 3 milhões de casos confirmados do vírus. A esperança voltou a residir nas vacinas, quando quatro tipos já estavam sendo testados por aqui.
O Ministério da Saúde efetivou o ministro Eduardo Pazuello em setembro e o Brasil, então, confirmou a entrada no programa internacional de vacinas, o Covax. Se a pandemia interrompia atividades e afetos, limitava trabalhos e pessoas, a proximidade das eleições se fazia presente: a propaganda eleitoral teve início no fim do mês e, com ela, medos e receios por mais aglomerações em torno dos candidatos.
Sem eleições em outubro, o coronavírus continuou a ganhar terreno em um país atordoado. A barreira dos 5 milhões de casos foi ultrapassada, enquanto 150 mil brasileiros perderam a vida, 7 meses e meio depois do início da pandemia.
Os últimos meses do ano começavam a apontar um horizonte ainda turvo. As eleições municipais em novembro foram marcadas por receio de aglomerações nos locais de votação, ainda que as seções eleitorais respeitassem as medidas sanitárias de distanciamento entre as pessoas, uso de máscaras e álcool em gel.
A palavra eficácia foi mais uma que começou a fazer parte do vocabulário do brasileiro. Os primeiros resultados dos imunizantes, como Pfizer e Moderna, invadiram o noticiário, trazendo alguma luz para o ano seguinte que se aproximava. Entre tantos números, muitas dúvidas. Pois, afinal, o que seria e qual a relevância da eficácia? Ter 100% é garantia? Ter 50% é arriscado? Mais uma vez, a ciência foi colocada no centro do debate, mostrando sua importância em um cenário de desinformação e negação.
No último mês de um 2020 marcado na história, as primeiras definições sobre campanhas de vacinação começaram a surgir. O Ministério da Saúde projetou o início da imunização em março do ano seguinte para idosos, profissionais da saúde e outros grupos. Sem vacinas confirmadas, a previsão longínqua foi alvo de críticas de vários setores. Por outro lado, São Paulo anunciava vacinação em janeiro, mesmo sem saber a eficácia do imunizante produzido pelo Butantan. A "guerra das vacinas", com troca de palavras nada gentis, opôs o maior estado do país e o Governo Federal.
Na Anvisa, pressão de todos os lados. Na governança, apenas declarações: antes prometida para março, o Ministério da Saúde afirmou que a campanha começaria em janeiro. No mundo, o Reino Unido já dava início à aplicação de doses, bem como outros países desenvolvidos. 2020 chegava ao fim com um prenúncio de temor: o número de casos e óbitos voltou a subir depois de meses em queda. Ainda haveria as festas de fim de ano, determinantes para a disseminação do vírus.
O marco do primeiro ano convivendo com a pandemia de coronavírus no Brasil também é concomitante com os 250 mil óbitos registrados poucos dias antes. No pior momento da doença, o país já está há mais de 30 dias vendo mais de mil brasileiros morrerem por dia, com recorde de óbitos registrados na última quinta-feira (26): 1.582 mortes contabilizadas em um único dia. Mais de 10 milhões de casos foram confirmados e menos de 3% da população foi vacinada.
Se resta um alento, o mundo vê o número de casos e óbitos caírem. Mesmo com o pico observado em janeiro, reduções na ordem de 20 a 30% no número de casos já são observadas nos Estados Unidos, o mais atingido pela pandemia.
Um ano em luto, um ano em luta. Enquanto o amanhã há de ser outro dia não chega, resta resistir, guardar, se proteger. Apesar de tudo.
Da primeira contaminação ao óbito foram apenas algumas semanas. O dia 12 de março marcou a primeira morte e o início de uma batalha dura. No fim daquele mês, todos os estados brasileiros possuíam pelo menos uma pessoa com a enfermidade.
+ 1 ano de Covid-19 no Brasil: paciente relata sequelas 9 meses após infecção
Para frear a disseminação da Covid-19, o Governo Federal restringiu a entrada de estrangeiros e os governadores e prefeitos passaram a adotar medidas para controlar a pandemia, como o fechamento do comércio e escolas, além da adoção de restrições para circulação. Foi a introdução de uma palavra que segue - e assombra - o mundo até hoje: quarentena.
Em pouco mais de um mês, 200 brasileiros mortos. Os números começavam a inundar as manchetes das notícias e rebater previsões de que a patologia mataria menos que a H1N1, quando 796 indivíduos perderam a vida.
Auxílio chega e ministério vive turbulências
Enquanto isso, outras estatísticas passaram a fazer parte das contas dos brasileiros atingidos pela pandemia. O isolamento social assombrou e minou empregos. A renda, já cambaleante, precisou de um auxílio.Com o desemprego em alta, o presidente Jair Bolsonaro sancionou um benefício emergencial proposto e aprovado pela Câmara no valor de R$ 600, destinado a trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa. Mães chefes de família receberam a quantia em dobro.
A ajuda financeira chegava e os óbitos subiam: 6,3 mil em abril, apenas um mês e meio depois da primeira confirmada. O Brasil superava a China, epicentro da pandemia, em número de mortos pelo coronavírus.
As diligências impostas pela Saúde, porém, não foram bem aceitas pelo chefe de Estado. Enquanto Luiz Henrique Mandetta, à frente da pasta na época, defendia a quarentena, Bolsonaro resistia ao fechamento dos estabelecimentos para a "economia não parar". O desgaste foi inevitável e o médico foi demitido do cargo. Nelson Teich foi escolhido para substituí-lo, porém ficou menos de um mês no ministério.
No lugar de um médico, um general. Eduardo Pazuello assume a pasta da Saúde de forma interina, em maio. Em meio à corrida por um fim, o governo passa a admitir e estimular o uso de cloroquina como tratamento prévio à Covid-19. Insumos, como equipamentos de segurança e ventiladores pulmonares, tinham distribuição lenta e descoordenada.
A escalada mórbida chegou à marca de 50 mil vidas perdidas por coronavírus em junho. As comparações com guerras mundiais começavam a dar a dimensão da tragédia. Os abismos sociais começavam a se revelar: no Norte, 13 vezes mais mortes que no Sul; os pobres são as maiores vítimas. Nos enterros, a tristeza por velórios restritos e curtos, uma despedida maculada por irresponsabilidades e com "mortos-vivos" abalados pelas partidas.
Casos na casa dos milhões e a esperança pelas vacinas
Em junho, o Brasil registrava a triste marca de 1 milhão de infectados pela Covid-19, pouco mais de três meses depois do primeiro caso registrado. Em todo o período, o país permaneceu em segundo lugar em todos os índices, atrás apenas dos Estados Unidos, liderado à época pelo ex-presidente Donald Trump.Na cabeça do brasileiro, um vazio. Afinal, a escalada da doença não encontrava barreiras. Se para o povo era - e ainda é - vazio, em outras, estas governamentais, um bate-bate. Entre batidas e discussões, a barca da peste não dava trégua. Em meio à tormenta, uma esperança começava a surgir: uma vacina contra a Covid-19, com testes do laboratório Pfizer no país.
Máscara, aglomerações, isolamento: palavras que já haviam se tornado parte do vocabulário, mas não dos hábitos. Em julho, Bolsonaro é diagnosticado com a doença, depois de ser visto sem o acessório protetor em meio a apoiadores. Outro hábito teve que ser adiado: as eleições, costumeiramente realizadas em outubro, foram adiadas para novembro.
Foram necessários 30 dias para o número de casos dobrar, chegando a 2 milhões de infectados. Entre os óbitos, a marca dos 100 mil foi ultrapassada em agosto, menos de seis meses da primeira morte registrada. É como se um estádio do Maracanã sumisse, do nada, com mais 20 mil pessoas fora. Mais dias, mais um milhão, e agosto marcou os 3 milhões de casos confirmados do vírus. A esperança voltou a residir nas vacinas, quando quatro tipos já estavam sendo testados por aqui.
O Ministério da Saúde efetivou o ministro Eduardo Pazuello em setembro e o Brasil, então, confirmou a entrada no programa internacional de vacinas, o Covax. Se a pandemia interrompia atividades e afetos, limitava trabalhos e pessoas, a proximidade das eleições se fazia presente: a propaganda eleitoral teve início no fim do mês e, com ela, medos e receios por mais aglomerações em torno dos candidatos.
Sem eleições em outubro, o coronavírus continuou a ganhar terreno em um país atordoado. A barreira dos 5 milhões de casos foi ultrapassada, enquanto 150 mil brasileiros perderam a vida, 7 meses e meio depois do início da pandemia.
Eficácia, eleições e expectativa para o próximo ano
O décimo mês de 2020 marcou o início do fim do auxílio emergencial destinado a milhões de brasileiros para compensar as perdas com trabalhos e outras atividades. Foi o mês em que a corrida por vacinas começou a ganhar corpo e forma, ainda dependente de resultados de eficácia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) virou o foco das atenções, ao liberar a importação de 6 milhões de doses da CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Entre nomes pejorativos e negligência, o imunizante era o único às vistas de dar início ao fim da pandemia.Os últimos meses do ano começavam a apontar um horizonte ainda turvo. As eleições municipais em novembro foram marcadas por receio de aglomerações nos locais de votação, ainda que as seções eleitorais respeitassem as medidas sanitárias de distanciamento entre as pessoas, uso de máscaras e álcool em gel.
A palavra eficácia foi mais uma que começou a fazer parte do vocabulário do brasileiro. Os primeiros resultados dos imunizantes, como Pfizer e Moderna, invadiram o noticiário, trazendo alguma luz para o ano seguinte que se aproximava. Entre tantos números, muitas dúvidas. Pois, afinal, o que seria e qual a relevância da eficácia? Ter 100% é garantia? Ter 50% é arriscado? Mais uma vez, a ciência foi colocada no centro do debate, mostrando sua importância em um cenário de desinformação e negação.
No último mês de um 2020 marcado na história, as primeiras definições sobre campanhas de vacinação começaram a surgir. O Ministério da Saúde projetou o início da imunização em março do ano seguinte para idosos, profissionais da saúde e outros grupos. Sem vacinas confirmadas, a previsão longínqua foi alvo de críticas de vários setores. Por outro lado, São Paulo anunciava vacinação em janeiro, mesmo sem saber a eficácia do imunizante produzido pelo Butantan. A "guerra das vacinas", com troca de palavras nada gentis, opôs o maior estado do país e o Governo Federal.
Na Anvisa, pressão de todos os lados. Na governança, apenas declarações: antes prometida para março, o Ministério da Saúde afirmou que a campanha começaria em janeiro. No mundo, o Reino Unido já dava início à aplicação de doses, bem como outros países desenvolvidos. 2020 chegava ao fim com um prenúncio de temor: o número de casos e óbitos voltou a subir depois de meses em queda. Ainda haveria as festas de fim de ano, determinantes para a disseminação do vírus.
Um ano depois: falta ar, vacinas e o amanhã que não chega
Entre compras e vacinas, disponibilidades e erros, o Brasil virou o ano observando os dados explodirem. Uma "segunda onda" ainda mais mortal: nos primeiros dias de janeiro, 200 mil mortos. No mês passado, números de óbitos próximos aos observados no pico da pandemia, em julho de 2019. Em Manaus e no Amazonas, a face cruel do descaso com pacientes que apenas precisavam de ar. Sem oxigênio, sem estrutura, sem vacinas, sem vida, o colapso no Norte do Brasil serviu de alerta.O marco do primeiro ano convivendo com a pandemia de coronavírus no Brasil também é concomitante com os 250 mil óbitos registrados poucos dias antes. No pior momento da doença, o país já está há mais de 30 dias vendo mais de mil brasileiros morrerem por dia, com recorde de óbitos registrados na última quinta-feira (26): 1.582 mortes contabilizadas em um único dia. Mais de 10 milhões de casos foram confirmados e menos de 3% da população foi vacinada.
Se resta um alento, o mundo vê o número de casos e óbitos caírem. Mesmo com o pico observado em janeiro, reduções na ordem de 20 a 30% no número de casos já são observadas nos Estados Unidos, o mais atingido pela pandemia.
Um ano em luto, um ano em luta. Enquanto o amanhã há de ser outro dia não chega, resta resistir, guardar, se proteger. Apesar de tudo.
Publicidade