TCU investiga sumiço de dinheiro do Conselho Federal de Odontologia após investimento fracassado
Conselho aplicou R$ 40 milhões em empresa sem autorização legal e só recuperou 20% do valor perdido
Simone Queiroz
Kaê Carneiro
Victor Ferreira
Quarenta milhões de reais do Conselho Federal de Odontologia (CFO) desapareceram depois que a antiga diretoria aplicou o dinheiro em uma empresa de fundos de investimento, com promessa de lucros altos. No entanto, os recursos simplesmente evaporaram.
Dentistas, técnicos em odontologia e clínicas de todo o país pagam anualmente uma taxa ao Conselho de Odontologia do estado onde atuam. Um terço desse valor é repassado ao Conselho Federal, que tem como atribuições fiscalizar a atividade profissional, garantir a atuação ética, defender os direitos da classe, incentivar a educação continuada e a pesquisa na área.
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Durante a pandemia, sob a justificativa de ajudar profissionais em dificuldade financeira, o Conselho utilizou as reservas financeiras para tentar multiplicar os recursos.
"Foi um investimento de 40 milhões de reais numa empresa de apresentação como estruturadora de fundos de investimento", afirmou o presidente da entidade à época, Juliano do Vale. "Até o momento, nós acreditávamos que era regular. Hoje acredito que houve falhas nesses investimentos. O que mais indica em tudo isso é que fomos vítimas de um estelionato, de um golpe financeiro", complementou.
A proposta do investimento foi apresentada pelo então secretário-geral do Conselho, Cláudio Miaky, atual presidente do órgão.
"Através do conhecimento que eu tinha com um empresário, houve a oportunidade de apresentação em uma instituição financeira, e dessa forma foi que houve o início dessa operação", explicou.
O Conselho Federal de Odontologia é uma autarquia - uma entidade pública com autonomia administrativa - que movimenta recursos de toda uma categoria. Logo, espera-se extremo critério nas decisões. Consultado à época, o departamento jurídico indicou que não havia impedimento legal para investir em banco privado, mas recomendou preferência por instituições públicas e modalidades de menor risco.
A empresa que intermediou o negócio, a Solstic, não possuía autorização legal para atuar e não tinha registros no Banco Central nem na Comissão de Valores Mobiliários.
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Questionado se houve alguma promessa de comissão para autorizar o investimento, Juliano respondeu: "De forma nenhuma." E sobre como se sente ao ser o presidente que autorizou o prejuízo, ele disse se sentir "vítima de um golpe financeiro."
Essa visão, no entanto, não é compartilhada por todos.
"Há um forte indício de má-fé na aplicação desse dinheiro e muitas provas estão com os órgãos competentes", afirmou o ex-presidente do Conselho de Odontologia de Minas Gerais, desafeto da gestão federal.
Cláudio Miaky, que foi o secretário-geral que apresentou a proposta, afirma que só percebeu os problemas quando assumiu a presidência.
"A identificação de irregularidade só veio à tona quando assumimos a atual gestão."
O caso está sendo apurado internamente e também pelo Tribunal de Contas da União. Dos R$ 40 milhões, apenas R$ 8 milhões foram recuperados até o momento - 20% do valor perdido.
Se for confirmado crime por parte da gestão, a responsabilidade poderá recair sobre todos aqueles que autorizaram e executaram a operação.
"Importa saber quem tinha ciência de que essa empresa não estava autorizada a operar, quem induziu os demais a aprovarem o investimento, quem realmente se beneficiou desses recursos", afirmou uma fonte envolvida na investigação. "São pessoas que devem agir com transparência, moralidade e ética", esclarece a advogada criminalista Maíra Salomi.