Povo Yanomami está contaminado por mercúrio, aponta estudo da Fiocruz
Pesquisa mostra que indígenas contaminados de nove aldeias vivem próximos a locais de mineração ilegal. Metal pesado gera doenças e pode matar
Um estudo publicado nesta quinta-feira (4) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) alerta para o alto nível de contaminação por mercúrio em nove comunidades indígenas da Terra Indígena Yanomami.
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Segundo o levantamento, intitulado “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente”, realizado em outubro de 2022, a situação é considerada grave: 94% dos indígenas participantes da pesquisa estão contaminados por mercúrio.
Foram coletadas amostras de cabelo de 287 indígenas do subgrupo Ninam, do povo Yanomami. Os indígenas que vivem em aldeias próximas aos garimpos ilegais têm os maiores níveis de exposição ao mercúrio.
Território Indígena Yanomami
O território é localizado no norte do país, entre os estados do Amazonas, Roraima e a Venezuela.
Por lá vivem 31 mil indígenas, em 370 comunidades, divididos em seis subgrupos de línguas da mesma família – Yanomam, Yanomami, Sanöma, Ninam, Ỹaroamë e Yãnoma.
O contato da população não indígena com o povo Yanomami é considerado recente.
As amostras foram coletadas em 9 comunidades da região do Alto Rio Mucajaí – Caju, Castanha, Ilha, Ilihimakok, Lasasi, Milikowaxi, Porapi, Pewaú e Uxiú – a pedido da Texoli Associação Indígena Ninam.
Contaminação 6 vezes maior que o recomendado pela OMS
Nas amostras de cabelos dos 287 indígenas analisados, foram constatados os seguintes dados:
- 241 indígenas (84%) registraram acima de 2 microgramas de mercúrio nos cabelos;
- 30 indígenas (10,8%) registraram acima de 6 microgramas de mercúrio, ou seja, até 6 vezes mais que o recomendado.
“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, explica Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz.
A pesquisa também fez coleta de células de mucosa oral em 300 pessoas — homens, mulheres, crianças, adultos e idosos — e também constatado níveis consideráveis de mercúrio em seus corpos.
- Os indígenas com níveis de mercúrio acima de 2 microgramas são os mais propensos a ter pressão alta;
- Além disso, a cobertura vacinal das crianças é considerada “baixíssima”, apontando para 15,5% delas com o calendário de vacinação em dia.
- 25% das crianças com menos de 11 anos estavam anêmicas e quase metade apresentava desnutrição aguda.
- O estudo mostra também que cerca de 80% destas crianças eram mais baixas do que o esperado para a idade, sugerindo para a questão de desnutrição crônica.
- Alimentos também estão afetados: 47 amostras de peixes coletadas pelos pesquisadores da Fiocruz registraram positivo para contaminação por mercúrio.
- 14 amostras de água e sedimentos do rio Mucajaí e seus afluentes também estão contaminados e constaram como positivo.
“Infelizmente, nossos achados não deixam dúvidas que o garimpo ilegal de ouro na região do alto rio Mucajaí tem afetado a população local, uma vez que foram detectados níveis de mercúrio em todas as amostras de cabelo analisadas, incluindo adultos, idosos, homens, mulheres e crianças, sem exceção”, aponta o pesquisador.
+ Confira o estudo acadêmico completo da Fiocruz (pdf)
Para que serve o mercúrio e o que ele pode causar?
O mercúrio é um metal líquido à temperatura ambiente e existe desde os tempos da Grécia Antiga.
Tem esse nome em homenagem ao deus romano Mercúrio, que era o mensageiro dos deuses, que foi comparado à fluidez do metal pesado.
Nos garimpos ele é usado para dissolver partículas de ouro que estão colados à pedras e areia.
Depois, juntos, sedmento e partícula de ouro, se forma uma amálgama, espécie de liga líquida de metal com mercúrio, a pedra é aquecida, o mercúrio evapora e sobra o ouro como resíduo.
Segundo os pesquisadores, o metal pesado em grandes quantidades, inalado ou ingerido, pode resultar em várias sequelas .
Os sintomas ocorrentes para quem tem níveis mais elevados do mercúrio no corpo são tremores, insônia, dores de cabeça, perda de memória, fraqueza muscular, déficits cognitivos, sequelas neurológicas, danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pernas e pés, e até mesmo pode levar à morte.
“Diante dos aprendizados obtidos nesta investigação, propomos ações emergenciais e estruturais de ordem geral para o manejo da crise sanitária atual, e ações específicas visando a vigilância e o monitoramento das populações expostas e potencialmente expostas ao mercúrio”, recomenda Basta no levantamento da Fiocruz.