Marco Civil da Internet: o que o julgamento do STF pode mudar na regulação das redes sociais?
Plataformas devem ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por seus usuários? É papel só do STF ajustar a lei? Veja o que dizem especialistas
Começou nesta quarta-feira (27) o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa diferentes aspectos do Marco Civil da Internet, legislação que completou dez anos de implementação este ano.
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Apesar de ter sido um avanço na regulação da web naquela época, a lei deixou pontos indefinidos, especialmente em relação à regulamentação das redes sociais, que tiveram seu uso intensificado nos últimos anos.
O tema central das atividades será o Artigo 19 do documento, que estabelece condições para a responsabilização das plataformas, como Google, Instagram e YouTube, pelos conteúdos ilícitos compartilhados por seus usuários. Os ministros terão de decidir até que ponto essas empresas devem ser responsabilizadas pelas publicações.
O SBT Brasil entrevistou três especialistas para analisar o julgamento do Supremo. Alguns deles veem como uma oportunidade para a Corte rever a responsabilidade das plataformas na disseminação de conteúdo prejudicial. Hoje elas só são obrigadas a retirar um conteúdo caso haja determinação judicial.
Na visão de Jonas Valente, membro da coalizão Direitos na Rede e um dos autores do Marco Civil, apesar de reconhecer a necessidade de modernizar a legislação, essa atualização deveria ser feita pelo Congresso Nacional e não pelo STF.
Letícia Kleim, coordenadora jurídica da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) defende a manutenção da retirada de conteúdo mediante ações judiciais, mas sugere algumas mudanças no processo.
Dependendo da decisão do STF, as plataformas podem ser obrigadas a realizar uma moderação proativa do conteúdo, isto é, sem a necessidade de ordem judicial.
Artigo 19: o que diz o texto?
O Marco Civil da Internet estabelece no artigo 19 que sites e aplicativos só podem ser responsabilizados civilmente por danos causados por conteúdos publicados por terceiros se não cumprirem uma ordem judicial para remover esse material. Segundo a norma, as plataformas devem agir "no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado", exceto em casos previstos em outras leis.
O objetivo dessa regra, conforme o texto legal, é "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura". Já o artigo 18 especifica que as operadoras de conexão à internet não podem ser responsabilizadas por danos decorrentes de conteúdos criados por terceiros.
Especialista defende rever "imunidade" das plataformas
A discussão sobre a imunidade das empresas na moderação de conteúdo voltou a ser abordada recentemente quando, a partir de uma série de irregularidades no conteúdo, a plataforma X (antigo Twitter) ficou fora do ar por 39 dias no Brasil por não cumprir os critérios para funcionamento no país.
Para Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), há uma distorção do que seria atividade-fim (ou seja, a principal atividade das plataformas) e que, agora, o STF quer corrigir isso.
"A discussão que existe no Supremo hoje existe no mundo inteiro: é preciso rever esse regime de imunidade das plataformas, para que elas se tornem responsáveis pelo menos a partir do momento em que elas tomem ciência do conteúdo ilícito, para que seja um feito um monitoramento e curadoria do conteúdo", aponta o especialista.
Ele ressalta que a falta de uma regulação cria um ambiente "permissivo" para atividades criminosas. "E, enquanto não houver uma ordem judicial determinando a paralisação daquelas atividades, ninguém é responsável por nada", ressalta.
Não é papel do STF ajustar leis, diz especialista
Jonas Valente, membro da coalizão Direitos na Rede e um dos autores do Marco Civil, ressalta que uma nova lei, mais precisa, é essencial para regular as plataformas digitais de maneira eficiente. No entanto, devido à falta de ação por parte do Legislativo, o STF se vê na posição de revisar e atualizar a interpretação do Marco Civil.
"Nós entendemos que o Artigo 19 é constitucional, mas ele precisa ter sua interpretação atualizada à luz de outros direitos que são garantidos na Constituição", ressalta Jonas.
O especialista menciona o Projeto de Lei das Fake News, sobre o qual o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mantém silêncio. A proposta deve demorar para avançar no Congresso.
Pelas redes sociais, em abril deste ano, o relator do PL, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), defendeu avanço da proposta na Câmara.
"A regulação das plataformas não é pauta ideológica, é civilizatória. O que existe hoje é a barbárie em que o modelo de negócios estimula o extremismo, o ódio e a violência. A insanidade tem que parar! Não há liberdade para cometer crimes. O que é crime nas ruas precisa ser crime nas redes. A internet não pode ser terra sem lei! PL 2630 SIM!", escreveu no X.
Coibir crimes virtuais ameaça a liberdade de imprensa?
Para Letícia Kleim, coordenadora jurídica da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o ideal seria um adotar o "caminho do meio" para ter proteger a liberdade jornalística sem liberar as pessoas para cometerem crimes virtuais.
"Esse caminho do meio seria manter a regra da responsabilização a partir da notificação judicial, mas a partir de casos mais concretos que possamos delimitar: seja a partir de ataque à democracia, injúria racial, dentre outros que estão na Constituição", explica.
Veja as entrevistas na íntegra: