Socorro da Petrobras levaria 43 horas em caso de vazamento na foz do Amazonas
Exploração de petróleo no local está em debate no Congresso e preocupa especialistas
43 horas. Essa é a estimativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para um embarcação da Petrobras chegar até a foz do Amazonas em caso de vazamento. São quase dois dias de derramamento ininterrupto de petróleo no oceano, impactando diretamente espécies da fauna e flora brasileira, como os corais da Amazônia, além da maior faixa contínua de manguezal do mundo.
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Esta é uma das principais preocupações em relação à abertura de uma nova fronteira de exploração de petróleo na Margem Equatorial Brasileira. O local, que se estende do Amapá até o Rio Grande do Norte, vem sendo cobiçado pela Petrobras desde 2020, quando a BP Energy do Brasil transferiu os direitos de exploração à estatal. Já foram apresentados dois pedidos de licença para perfurar a região - ambos negados pelo Ibama.
A última solicitação rejeitada foi no dia 17 de maio. Na data, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, alegou que o plano de exploração da Petrobras apresentava inconsistências técnicas - como a falta de garantias de segurança ao meio ambiente em possíveis acidentes de vazamento. Em meio ao cenário, o ambientalista pediu que toda a possível "nova fronteira fóssil" seja objeto de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).
Isso porque a bacia da foz do Amazonas é considerada uma região de extrema sensibilidade socioambiental por abrigar Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e mangues. A área também é conhecida por possuir uma grande biodiversidade marinha, com espécies ameaçadas de extinção, como boto-cinza, boto-vermelho, cachalote, baleia-fin, peixe-boi-marinho, peixe-boi-amazônico e tracajá.
"A decisão do Ibama foi lastreada por evidências científicas que apontam graves riscos e sensibilidades dos ecossistemas da região, que seriam direta ou indiretamente impactados pelo empreendimento. Próximo ao bloco da Petrobras [cerca de 40km] existe um ecossistema ainda pouco estudado e que é de suma importância para a biodiversidade marinha, inclusive os estoques pesqueiros - de suma importância para a vida e a economia da região", explica Marcelo Laterman, porta-voz do Greenpeace Brasil.
Ele também cita o Grande Sistema de Recifes da Amazônia - formado por esponjas, rodolitos e corais -, que garantem, por exemplo, a presença de pargos e lagostas, com elevado valor comercial para o Amapá e o Pará. "Ainda, a costa norte abriga 80% dos manguezais do país, ambientes referenciados como berçários da vida marinha e extremamente sensíveis a eventuais derramamentos de petróleo", completa Laterman.
Em contrapartida, a Petrobras afirma que já realizou diversos estudos avaliando os impactos da exploração, bem como a inspeção do fundo da área a ser perfurada - localizada a 500 km da foz do Rio Amazonas e próxima à Guiana Francesa. Confiante, a estatal espera que o Ibama reavalie o pedido de licença e que, caso aprovado, a perfuração comece já em 2023. A expectativa é que o trabalho, com duração de aproximadamente cinco meses, confirme a existência de petróleo no local.
De acordo com a Petrobras, o objetivo da exploração é aumentar a produção nacional de petróleo e gás natural, podendo viabilizar uma transição energética sustentável e segura para o país. Daniele Lomba, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da estatal, afirma que a área de testes no litoral do Amapá está distante da parte ambientalmente sensível e que um suposto vazamento não levaria o óleo para a costa.
"A empresa tem atendido tempestivamente todas as demandas do Ibama, então vamos continuar dessa forma. A gente implantou uma estrutura de resposta à emergência bem condizente com a atividade que a gente quer fazer na região. O desenvolvimento da atividade na região pode gerar recursos para canalizar e direcionar a proteção ambiental, para o saneamento básico e para comunidades tradicionais", afirma Daniele.
A alegação, no entanto, é contrariada por Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, que cita que, conforme o plano apresentado, em caso de vazamento, o óleo chegaria às águas da Guiana Francesa em menos de 10 horas sem que a Petrobras tivesse condições de conter o acidente. Um cenário como este, segundo a especialista, poderia ocasionar uma tragédia em termos de poluição.
"Na AAAS, estudo que é previsto na nossa legislação desde 2012, são mapeadas as áreas aptas à produção de petróleo, não aptas à produção de petróleo e áreas que ficam em moratória para estudos futuros. Sem esse estudo regionalizado, haverá sempre dificuldade nas licenças na foz do Amazonas. Os técnicos do Ibama estão alertando que há dificuldade em termos de avaliação dos reais impactos da exploração de petróleo na região", diz Suely.
Além das incertezas em relação ao projeto, outro ponto chama a atenção dos especialistas consultados pelo SBT News: a crise climática. Eles explicam que, em meio ao avanço do aquecimento global, não faz sentido o Brasil adotar a expansão da exploração de petróleo como modelo de crescimento econômico, já que o país tem todas as condições para liderar uma economia de baixo carbono, gerando emprego, renda e investimento.
"As incertezas em relação aos impactos no território, e a extrema sensibilidade socioambiental do mesmo, trazem o questionamento de se os lucros [distribuídos historicamente de forma desigual], valem os riscos às vidas, à fonte de subsistência e do bem viver das populações locais, e às riquezas naturais que fazem do Brasil um país único e fundamental diante de um contexto de crise climática global", avalia Laterman. "Abrir uma nova fronteira exploratória de petróleo em áreas sensíveis não é o melhor cartão de visitas para um país que queira ser protagonista desta transição da economia global", frisa.
Embate no governo
Após anunciar a decisão, o Ibama recebeu apoio da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela afirmou que a Petrobras pode reformular o pedido quantas vezes quiser, mas que a licença só será autorizada se as exigências ambientais forem atendidas. Segundo ela, neste caso, uma avaliação que englobe toda a complexidade do empreendimento levaria ao menos dois anos para ser concluída.
O comentário não foi bem visto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que classificou a exigência como "incoerente e absurdo". O político sustentou a afirmação da Petrobras, dizendo que a estatal aprofundou os estudos para sanar maiores dúvidas quanto à viabilidade de proteção da Margem Equatorial de maneira ambientalmente segura.
"O parecer do Ibama não tem questões intransponíveis. Só vai se tornar intransponível se se discutir a AAAS. Será uma incoerência e um absurdo com brasileiros que precisam do desenvolvimento econômico com frutos sociais e equilíbrio ambiental. Podemos até discutir que nenhum outro bloco deve ir a leilão antes da AAAS. Mas para aquilo que já foi leiloado, se formos recomeçar esse licenciamento, vamos estar descumprindo contratos", alegou.
Questionada sobre o assunto, Suely defendeu que o embate no governo "não faz sentido", uma vez que o Ibama é a autoridade governamental que tem atribuição exclusiva de deferir ou não as licenças ambientais no plano federal. Ela explicou que a Petrobras é o empreendedor brasileiro com maior número de licenças ambientais e que já foi autorizada a exploração de petróleo em outras áreas da Margem Equatorial.
"A negativa de apenas uma das licenças da estatal não pode dar margem a essa confusão política. A Petrobras já apresentou requerimento para reavaliação do pedido de licença e a decisão é do presidente do Ibama. Não há recurso para ministra do Meio Ambiente ou para o presidente da República. A decisão não é política, é técnica", afirma.
Uma estimativa do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) indica que a Margem Equatorial pode ter reservas de 30 bilhões de barris de petróleo, o que poderia elevar a produção em 1,106 mil barris por dia a partir de 2029. Isso significa que, se o bloco 59 fosse licenciado hoje para perfuração, a produção de petróleo demoraria pelo menos seis anos para ser iniciada e, caso encontrado petróleo, os royalties só seriam pagos depois de 2030.
"Das perfurações realizadas, menos de 20% chegam a fase de produção. E a narrativa que tem sido vendida é como se os royalties fossem pagos amanhã no estado do Amapá e do Pará. Isso está longe de ser verdade", diz a especialista, em resposta às críticas sobre o Ibama impedir os governos de "conhecer" possíveis riquezas.
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