Brasil tem 32 milhões de crianças e adolescentes na pobreza, diz Unicef
Estudo do organismo da ONU analisa oito dimensões da pobreza. Norte e Nordeste são as regiões mais afetadas
Pelo menos 32 milhões de meninas e meninos vivem na pobreza no Brasil. Isso significa que 63% das crianças e adolescentes do país convivem com um ou mais aspectos da pobreza multidimensional, que abarca trabalho infantil e privações de acesso à renda, alimentação, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação. É o que diz a pesquisa "As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil", lançada nesta 3ª feira (14.fev) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
+ Leia as últimas notícias no portal SBT News
Realizado com o apoio da Fundação Vale, o estudo utilizou dados oficiais da Pnad Contínua do IBGE, cujo último ano com informações disponíveis para todos os oito indicadores mencionados acima é 2019. Para os anos seguintes, só há dados de educação e renda, incluindo renda para alimentação e, segundo o organismo da ONU, todos pioraram.
Em 2021, o percentual de crianças e adolescentes que viviam em famílias com renda abaixo da linha de pobreza monetária extrema (menos de 1,9 dólar por dia) alcançou o maior nível dos últimos cinco anos: 16,1%, ante 13,8%, em 2017.
No caso da alimentação, na última década, o número de crianças e adolescentes que viviam em domicílios cuja renda familiar era insuficiente para alimentação vinha sendo reduzido. A pandemia, no entanto, reverteu essa tendência de melhora, alterando bastante o cenário. Entre 2020 e 2021, o número de crianças e adolescentes privados de renda familiar necessária para uma alimentação adequada passou de 9,8 milhões para 13,7 milhões. Um aumento de 3,9 milhões.
Já na educação, após anos em queda, houve uma piora em diferentes indicadores, em especial a alfabetização. Em 2022, o percentual de crianças privadas do direito à alfabetização dobrou em relação a 2020, passando de 1,9% para 3,8%.
Em relação ao saneamento, a falta de acesso a banheiro e rede de esgoto é uma das privações que mais impactam crianças e adolescentes no Brasil, revela a pesquisa. Segundo os dados da Pnad Contínua 2020 (últimos disponíveis para esse tema), quatro em cada dez meninas e meninos estavam privados desse direito.
"Os desafios são imensos e inter-relacionados. Para reverter esse cenário, é preciso políticas públicas que beneficiem não só as crianças e os adolescentes diretamente, mas também mães, pais e responsáveis, especialmente os mais vulneráveis", afirma Liliana Chopitea, chefe de Políticas Sociais, Monitoramento e Avaliação do Unicef no Brasil.
Entre as principais privações que impactam a infância e a adolescência estão a falta de acesso a saneamento básico (alcançando 21,2 milhões de meninas e meninos), seguida pela privação de renda (20,6 milhões) e de acesso à informação (6,2 milhões). A elas se somam a falta de moradia adequada (4,6 milhões), privação de educação (4,3 milhões), falta de acesso à água (3,4 milhões) e trabalho infantil (2,1 milhões). No total, são 32 milhões crianças e adolescentes afetados por uma ou mais de uma dimensão da pobreza multidimensional.
"Na maioria das vezes, essas privações se sobrepõem, agravando os desafios enfrentados por cada menina e menino. Por isso, é urgente o Brasil olhar para a pobreza de forma ampla, e colocar a infância e a adolescência no orçamento e no centro das políticas públicas", defende Chopieta
Norte e Nordeste
Segundo o estudo, a pobreza multidimensional impactou mais quem já vivia em situação mais vulnerável -- negros e indígenas, e moradores das regiões Norte e Nordeste --, agravando as desigualdades no país. Entre crianças e adolescentes negros e indígenas, 72,5% estavam na pobreza multidimensional em 2019, ante 49,2% de brancos e amarelos. Entre os estados, seis tinham mais de 90% de crianças e adolescentes em pobreza multidimensional, todos no Norte e Nordeste.
As duas regiões também registraram altos porcentuais de crianças e adolescentes privados de saneamento (80% das crianças); vivendo em moradias inadequadas, com três estados no Norte apresentando indicadores superiores a 20%; e disparidade no acesso à informação, com percentuais de privação ultrapassando 20%.
Unicef
As orientações da entidade para o Brasil incluem priorizar investimentos em políticas sociais; ampliar a oferta de serviços e benefícios às crianças e aos adolescentes mais vulneráveis; fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente; implementar medições e o monitoramento das diferentes dimensões da pobreza e suas privações por um órgão oficial do Estado; promover a segurança alimentar e nutricional de gestantes, crianças e adolescentes, implantar políticas de busca ativa escolar e retomada da aprendizagem, em especial da alfabetização; e priorizar a agenda de água e saneamento.