Maior atenção à covid contribuiu para aumento de casos de dengue
Cuidados básicos como usar repelente e monitorar acúmulos de água em domicílios foram esquecidos
Em meio à queda de internações e óbitos por covid-19, o Brasil enfrenta um novo surto epidemiológico: a dengue. Conforme dados do último boletim do Ministério da Saúde, já foram registrados, até meados de maio, 757.068 casos prováveis da doença, número 151,4% superior às ocorrências contabilizadas no mesmo período do ano anterior. A alta, segundo especialistas, pode estar relacionada com a maior atenção à pandemia de SARS-CoV-2, que reduziu as ações de prevenção.
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Presente no país desde 1986, o vírus da dengue é transmitido por meio da picada do mosquito Aedes aegypti, que se prolifera por meio de recipientes com água parada. "Os focos do mosquito se encontram nas residências ou nas áreas próximas. As picadas ocorrem com mais frequência durante o período diurno -- início da manhã e fim da tarde --, e eles se reproduzem com mais agilidade na temperatura quente e úmida", explica a Dra. Melissa Falcão, infectologista do Hospital Geral Clériston Andrade.
Como de costume, a proliferação do mosquito é mais comum em meses mais quentes, entre dezembro e maio. Em 2022, a região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 1.171 casos por 100 mil habitantes, seguida das regiões Sul (635,6 casos/100 mil hab.), Sudeste (277,7 casos/100 mil hab.), Norte (176,1 casos/100 mil hab.) e Nordeste (149,1 casos/100 mil hab). No país, cerca de 500 casos graves foram confirmados, enquanto 6,7 mil ocorrências detectaram sinais de alarme. Em óbitos, o número chegou a 265.
"O confinamento devido à pandemia de covid-19 fez com que o foco estivesse tão voltado para a doença que as ações de prevenção de proliferação do Aedes foram reduzidas pelo poder público e pela população. Cuidados básicos, como usar repelente e procurar focos das larvas em água acumulada nos domicílios e peridomiciliares, foram esquecidos", pontua Melissa, ressaltando, no entanto, que o descuido da população não interferiu no surgimento da nova variante da dengue.
Denominado genótipo do sorotipo 2, a cepa foi identificada pela primeira vez no Brasil no início de fevereiro, em uma amostra referente a um caso ocorrido em novembro do ano passado, em Aparecida de Goiânia, em Goiás. Para os pesquisadores, a chegada da variante preocupa, uma vez que existe a possibilidade dela se disseminar de forma mais eficiente do que a linhagem asiático-americana, também conhecida como genótipo 3 do sorotipo 2, que atualmente circula no país.
"Ainda não sabemos como será a proliferação do genótipo cosmopolita no Brasil. Mundialmente, ele é muito mais distribuído e causa mais casos do que o genótipo asiático-americano, que circula no Brasil há anos. O quadro global indica que a linhagem tem capacidade de se espalhar facilmente", afirma Luiz Carlos Júnior Alcantara, pesquisador do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz.
Como o vírus já é existente na Ásia, Pacífico, Oriente Médio e África, a suposição é de que ele tenha sido importado para o Brasil ou que tenha vindo por meio de alguém infectado na fase de viremia -- quando o vírus ainda está presente no sangue --, contaminando um mosquito Aedes que o picou e, agora, pode levar consigo a variante. Apesar da nova cepa, Alcantara esclarece que o surto da doença depende de diversos fatores ligados ao vetor e ao vírus, assim como às condições climáticas e de vida da população.
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O surto da doença, que inclui sintomas como febre alta, dor atrás dos olhos e fraqueza, fez com que os testes para o diagnóstico se esgotassem em grande parte das unidades de saúde pública e privada do país. O estado de São Paulo, por exemplo, está sem reagentes, enquanto Piauí e Paraná permanecem com estoques baixos, fazendo com que as equipes de saúde pública priorizem o uso da testagem com os kits remanescentes em pacientes com sintomas graves e grávidas.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que uma nova remessa de kits está prevista para ser entregue até junho. Os testes moleculares da Fiocruz, por sua vez, estão sendo entregues diretamente aos Laboratórios Centrais (Lacens) em todo país. "Na impossibilidade de realização de confirmação laboratorial específica ou para casos com resultados laboratoriais inconclusivos, deve-se considerar a confirmação por vínculo epidemiológico com um caso confirmado laboratorialmente", aconselha a pasta.
É perigoso ser diagnosticado com dengue mais de uma vez?
Ao contrair dengue, a pessoa fica imunizada permanentemente para aquele sorotipo do vírus, mas não para os outros. Dessa forma, uma mesma pessoa pode ter dengue até quatro vezes durante a vida. A segunda infecção por qualquer sorotipo da dengue é, na maioria das vezes, mais grave do que a primeira, independentemente dos sorotipos e da sequência. Contudo, o tipo 3 mostra-se mais virulento.
"O risco de apresentar um quadro grave de dengue aumenta com as infecções subsequentes, pegar dengue pela segunda, terceira ou quarta vez aumenta as chances de gravidade e morte pela doença", diz Melissa.
No caso da dengue hemorrágica ou dengue grave, o paciente registra alterações da coagulação sanguínea, pois o sistema imunológico tende a disparar uma reação excessivamente forte quando o vírus é detectado pela segunda vez no organismo. A ocorrência pode decorrer dos quatro sorotipos da doença e, caso não seja tratada adequadamente, pode resultar em óbito.
Vacina
Em março, um estudo norte-americano mostrou que a vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan induziu a geração de anticorpos em 100% dos indivíduos que já tiveram dengue e em mais de 90% naqueles que nunca haviam tido contato com o vírus. O imunizante já vem sendo produzido há mais de dez anos e é feito com os quatro tipos do vírus atenuados, ou seja, enfraquecidos, que induzem a produção de anticorpos sem causar a doença e com poucas reações adversas.
Atualmente, a pesquisa já se encontra na fase 3, sendo que as conclusões da fase 2 foram publicadas em março de 2020. A segunda etapa mostrou que a vacina induz soroconversão em mais de 70% dos indivíduos contra os quatro subtipos do vírus com apenas uma dose. No novo estudo, os pesquisadores constataram que o imunizante tetravalente contra a dengue protege pessoas com e sem contato prévio com o vírus.
Ações preventivas
Enquanto a vacina contra a dengue segue sendo desenvolvida, autoridades sanitárias recomendam as seguintes ações para evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti:
- Inspecionar uma vez por semana telhado, calhas, piscina, garrafas, pneus e outros itens que podem se tornar um criadouro;
- Lavar com água e sabão tonéis, galões ou depósitos de água, e mantê-los bem fechados;
- Manter as caixas d'água bem fechadas;
- Retirar água acumulada das lajes;
- Desentupir ralos e mantê-los fechados ou com telas;
- Lavar plantas que acumulam água duas vezes por semana;
- Preencher com serragem, cimento ou areia ocos de árvores e bambus;
- Evitar utilizar pratos nas plantas ou colocar areia até a borda dos itens;
- Tratar a água da piscina com cloro e limpá-la uma vez por semana;
- Retirar a água e lavar com sabão a bandeja externa da geladeira;
- Lavar bem o suporte para garrafões de água mineral a cada troca;
- Lavar vasilhas de animais com esponja ou bucha, sabão e água corrente, e trocá-los uma vez por semana;
- Manter aquários para peixes limpos e tampados ou telados;
- Guardar garrafas vazias e baldes de cabeça para baixo;
- Jogar no lixo objetos que possam acumular água, como latas, tampas de garrafa, casca de ovo, copos descartáveis;
- Manter a lixeira sempre bem tampada e os sacos plásticos bem fechados;
- Fazer furos na parte inferior de lixeiras externas;
- Descartar ou encaminhar para reciclagem pneus velhos ou furá-los e guardá-los secos e em locais cobertos.
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