Da dor à poesia: artistas trans levam vivência pessoal para as músicas
No Dia da Visibilidade Trans, conheça histórias de quem superou barreiras para se consolidar no meio artístico
Bruna Yamaguti
"Desde que me reafirmei enquanto travesti, passei por poucas e boas que me levaram a enxergar o mundo com outra visão. Em 2017, sofri a primeira agressão física. Mesmo machucada interna e externamente, percebi que posso usar minha arte como forma de denúncia", lembra a rapper Ísis Zavlyn Bezerra Vaz Fernandes.
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Mesmo inserida em um contexto de violência, no qual milhares de pessoas trans também estão, Ísis começou a fazer poesias sobre suas vivências. Foi assim que ela passou a integrar batalhas de rap nas cidades do Distrito Federal e conquistou seu espaço como artista. "Em 2018, dei inicio à batalha do grude, que é a primeira batalha de rap e funk LGBTQIA+ do DF", diz.
Neste sábado, 29 de janeiro, celebra-se o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais. Nesse mesmo dia, em 2004, um grupo de ativistas transgêneros foi ao Congresso Nacional para lançar a campanha "Travesti e Respeito". O ato histórico foi um marco para a luta de travestis e transexuais, grupo que, diariamente, ainda sofre com a intolerância e luta por seus direitos e pelo reconhecimento de suas pautas.
"É um dia em que eu me sinto mais viva e importante, mesmo sendo um dos únicos dias em que lembram que pessoas como eu existem e são reais. É quando eu percebo que não sou apenas uma estatística", afirma a rapper, que se sente realizada por ver o trabalho enquanto artista atingindo outras pessoas. "Mesmo enfrentando muitas situações sozinha, consegui fazer uma produção cultural de forma independente para enaltecer a minha comunidade", diz.
"Portas que jamais seriam abertas"
Assim como Ísis, a cantora Priscila Nogueira, conhecida como Mulher Pepita, conta que passou por muitas dificuldades para ter o seu esforço reconhecido. Hoje, com a carreira consolidada, ela se orgulha de sua trajetória, mas lembra que o caminho percorrido não foi nada fácil.
"Eu cheguei até onde cheguei com muito foco e determinação, encontrei pessoas que acreditaram no meu sonho e me ajudaram a bater em portas que jamais seriam abertas para uma travesti", diz. "Hoje só tenho a agradecer, tenho pessoas que gostam e consomem o meu trabalho, marcas que me contratam não só por ser uma travesti, mas porque me conhecem e acreditam no meu potencial."
Para Pepita, sua arte é uma forma de fazer com que algumas pessoas desconstruam a imagem marginalizada que têm de integrantes da comunidade. Ela ressalta que a data em que se comemora a visibilidade trans é importante, mas que o debate não deve acabar ao findar o dia.
"É preciso entender que a gente não vive só esse dia, temos uma vida inteira e esse olhar de atenção precisa estar voltado sempre para nós, pois vivemos no país em que mais nos matam e temos o tempo todo que andar blindadas e com medo", destaca.
Segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), no ano de 2021, foram registrados pelo menos 140 assassinatos de pessoas trans. Desses, 135 contra travestis e mulheres transexuais, e 5 casos de homens trans e pessoas transmasculinas.
Ainda de acordo com a pesquisa, a cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo, quatro ocorreram no Brasil. Além disso, só no ano passado, foram registradas pelo menos 158 violações de direitos humanos contra pessoas trans.
Digna de afeto
Rosa Luz, artista visual e cantora, conta que precisou conviver com a transfobia em todos os ambientes, sobretudo no de trabalho. "Muitas vezes somos violentadas mesmo depois que nos contratam, quando a equipe não sabe lidar com nossa existência", desabafa.
Na música e na arte, ela também encontrou uma forma de expressar sua identidade e sua essência.
"Meu trabalho é importante para a luta trans, pois estou viva em um país que está o tempo todo tentando matar pessoas como nós. Não procuro ser representatividade apenas para ocupar pauta de diversidade e inclusão, eu luto para que as pessoas consigam nos enxergar como humanas, com toda nossa pluralidade: dignas de afetos", arremata.