Números escancaram desigualdade racial no mercado de trabalho em 2021
66% da população que recebe um salário mínimo é negra; menos de 22% das chefias são ocupadas por negros
Neste mês da Consciência Negra, o SBT News averiguou a igualdade racial e de renda no ambiente de trabalho. De acordo com a pesquisa Racismo no Brasil, apesar dos negros serem a maioria da população brasileira, eles são também a minoria em cargos de chefia, ocupando menos de 22% da área. "Acredito que existe racismo na contratação. É muito difícil ver uma pessoa preta", lamenta o cientista da computação Gustavo Carvalho.
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Para a advogada e especialista em mercado de trabalho Vivianny Barros de Azevedo, essa situação é decorrente de um racismo estrutural. O brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, deixando marcas na inclusão de negros na economia e no mercado criativo. Vivianny relembra, inclusive, a desigualdade notada durante suas oportunidades educacionais na graduação: "tive a oportunidade de realizar MBA na FGV e percebi que na sala tínhamos apenas 4 negros, isso em uma sala com 20 alunos, ou seja, apenas 20% tinham acesso a uma capacitação de qualidade".
Nas universidades do país, a história relatada é uma realidade recorrente. Essa discriminação, historicamente, se inicia ainda na infância em ambientes escolares tanto por colegas quanto por professores, como cita Gustavo Carvalho "crianças pretas são menos tocadas por professores, ou seja, elas têm menos atenção, afeto e carinho". Considerando o apontamento anterior, a ausência de cuidado faz uma grande diferença no processo de aprendizado e absorção da criança.
Refletindo na entrada de pessoas negras no mercado de trabalho, 58% delas ocupam cargo de gestão ou de trainee. Na visão do cientista da computação, "se os cargos de liderança de suas empresas não possuem pessoas pretas, num país que mais de 50% das pessoas se identificam como pretas e pardas, há um problema". A falta de oportunidades de capacitação para esse segmento da população é um dos pontos levantados pelos entrevistados.
A estrutura racista que diariamente atinge pretos e pardos também encontra ressonância nos salários, de modo que 66% das pessoas que ganham um salário mínimo são negras. Os dados são preocupantes, mas relevantes para a luta racial por melhorias no ambiente profissional. Segundo Vivianny Barros de Azevedo, a falta de acesso a espaços de poder é ocasionada pela ausência de experiência necessária e de um currículo qualificado.
Combatendo as desigualdades
De acordo com a especialista em mercado de trabalho, um dos primeiros e principais passos para a sociedade frente ao assunto é que cada indivíduo entenda seu papel no combate à prática racista e jamais assuma estar isento de cometer atos de racismo. "É preciso ter autocrítica e olhar atento, além de procurar ouvir as pessoas que passam por isso cotidianamente", reforçou Vivianny ao trazer para discussão também a erradicação de piadas que, discretamente, ferem a luta e história da população negra.
Quanto às medidas adotadas por empresas para a redução da discriminação racial em meio ao papel dos profissionais em cargos de alta importância social e empresarial, a atriz Amanda Roque opina que "deveriam abrir espaços para discussão mostrando que o poder e a qualidade profissional de uma pessoa preta devem vir antes da importância com o tom de pele".
Assim como a artista, Gustavo Carvalho também acredita em medidas iniciadas pelas empresas, complementando a visão de Roque ao apontar que é necessário pensarmos fora da bolha. "As empresas precisam adotar mais medidas afirmativas de inclusão, rever o contexto, cenário e se questionar sobre quantas pessoas pretas temos em cada empresa. Se acharem que estão menos capacitadas - as pessoas negras -, que as capacitem, afinal, a técnica é uma capacidade que pode ser construída", concluiu ele.
Os programas de inclusão, bem como as políticas afirmativas, destinando vagas especialmente para pessoas negras, são algumas das medidas adotadas pelas empresas, como Magalu, Bayer, Gerdau e P&G. Procurando incentivar a diversidade racial, o processo seletivo para trainee e estágio conta apenas com candidatos negros. Mesmo que historicamente, os negros estejam a margem da sociedade "algumas pessoas problematizam essa ação, alegando que a gente coloca o negro numa posição de vítima. Porém, acredito que estamos promovendo a atenção de um grupo sub representado", argumentou o cientista da computação.
A especialista em mercado de trabalho também concorda com a importância dos programas, bem como a implementação de políticas de diversidade e inclusão. No entanto, Carvalho traz à tona também o fato de que não adianta as empresas aderirem ao egresso dessa minoria em seus meios e não fazer com que elas se sintam acolhidas e representadas no dia a dia. "Elas - algumas empresas - têm tomado iniciativas no processo de inclusão para pessoas pretas através de processos seletivos exclusivos, entretanto, quando elas entram no mercado não há processo específico para que elas se sintam incluídas e pertencentes àquele lugar".
É necessário destacar a importância do tema e suas diversas vertentes. Através da discussão deste cenário, tão preocupante quando diante dos dados negativos, pode ser transformado. Apesar das mudanças geradas no decorrer dos anos, o percurso para a igualdade, social e profissional, continua necessitando de um olhar mais atento e humanizado por parte da sociedade como um todo.