Comprova: Homem preso por atear fogo à mata no Amazonas não foi pago pelo MTST
Homem que foi preso, identificado nas postagens por um nome errado, estava queimando fios elétricos para retirar o cobre e o fogo se alastrou por acidente
Projeto Comprova
É falso que um homem detido por crime ambiental em Iranduba, cidade vizinha a Manaus, no Amazonas, tenha afirmado em depoimento que foi pago pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) para atear fogo em uma área de mata.
O boato foi publicado na internet e em redes sociais acompanhado de fotos que mostram um homem e um incêndio na região da rodovia AM-070, próximo à Ponte Jornalista Phelippe Daou, que liga Manaus a Iranduba. A delegada Sylvia Laureana, da 31ª Delegacia Integrada de Polícia (DIP), onde o suspeito prestou depoimento, confirmou ao Comprova que é ele quem aparece nas imagens.
O homem foi detido pela Polícia Militar no dia 24 de agosto e assinou um (Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) por crime ambiental. O Comprova teve acesso ao documento, em que ele e o policial militar relatam que o incêndio aconteceu por acidente. Segundo o depoimento, ele estava queimando fios elétricos com o intuito de retirar o cobre para vender, por volta das 10 horas, quando o fogo se espalhou. O policial militar disse ter sido informado por testemunhas que o homem “havia iniciado o incêndio ao tentar se desfazer de uma fiação elétrica”.
Esta verificação do Comprova investigou informações de um texto do site Acontece Agora e de uma publicação do perfil @ajuricabat no Twitter. As postagens foram feitas entre os dias 24 e 26 de agosto.
Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com a delegada Sylvia Laurena, que enviou o termo assinado pelo suspeito, além da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas e do MTST.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
Fotos se espalharam pelo WhatsApp
Através de busca reversa de imagens e de pesquisas nas redes sociais, o Comprova não localizou as fotos originais. No entanto, a delegada Sylvia Laureana confirmou que o homem que aparece nas fotos que viralizaram é de fato o mesmo que foi levado para a delegacia. O Comprova teve acesso às fotos tiradas do suspeito na 31ª DIP, no último sábado (24), e pode atestar que se trata da mesma pessoa dos posts.
As fotos em que o suspeito aparece não serão publicadas pelo Comprova para preservar a privacidade dele, mas você pode ver o e-mail enviado pela delegada em que ela atesta que o homem que aparece nas postagens que viralizaram é o mesmo que foi detido.
Há duas fotos do suspeito nas publicações que viralizaram. De acordo com a delegada, uma delas, em que ele aparece perto do fogo, foi feita por uma pessoa que passava pelo local e enviada a um policial. No depoimento, o policial militar que levou o suspeito para a delegacia relatou que pessoas que estavam próximo ao local, ao verem o fogo na área da mata, “registraram o fato e enviaram as fotos via aplicativo WhatsApp”. Sylvia Laureana afirmou que a segunda foto que foi amplamente compartilhada nas redes sociais, em que o homem está dentro de uma viatura, foi feita por um agente.
Por e-mail, o usuário do Twitter @ajuricabat, um dos primeiros a fazer a publicação enganosa, ainda no sábado (24), respondeu ao Comprova que recebeu pelo Facebook as fotos de uma amiga que tem um sítio próximo à AM-070. Segundo ele, “fora ela, outros amazonenses já haviam postado”.
O que diz o Termo Circunstanciado de Ocorrência
Alguns posts em redes sociais e notícias associam as imagens ao nome Valdeir, que nada tem a ver com o caso. O Comprova teve acesso ao Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), em que consta um nome diferente. A pedido da Secretaria de Segurança Pública, o nome verdadeiro foi omitido.
A delegada também confirmou que, em depoimento, o homem não mencionou qualquer ligação com o MTST ou que tenha agido mediante pagamento de terceiros.
O termo assinado pelo suspeito afirma que ele confirmou que provocou o incêndio na AM-070 ao ser questionado sobre o assunto, mas disse não ter tido intenção. O homem, que é auxiliar de produção e tem 33 anos, relatou que estava passando próximo à ponte que liga Manaus a Iranduba e decidiu queimar um pedaço de fio elétrico para tirar o cobre e vender o material. No depoimento, contou que colocou o fio na margem da estrada e ateou fogo, “mas o vento espalhou o fogo, fazendo com que a mata nas proximidades da estrada fosse incendiada”.
No TCO, um dos policiais que atendeu a ocorrência declarou que avistou o incêndio e se dirigiu ao local. Moradores que flagraram o ato enviaram fotos por WhatsApp ao agente, que acionou o Corpo de Bombeiros e saiu em busca do suspeito. O homem foi localizado quando estava a caminho do distrito de Cacau Pirera, a cerca de seis quilômetros da cabeceira da ponte que liga Manaus a Iranduba, segundo o Google Maps. Ele foi levado pelos policiais militares à 31ª DIP, em Iranduba.
O Comprova tentou falar com o suspeito e com o policial militar que o levou para a delegacia, mas as ligações não foram atendidas.
Furtos de fios de cobre
Segundo a delegada, não havia indícios de que os fios que o homem queimou tenham sido furtados.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, de janeiro a abril deste ano foram registradas 80 ocorrências de furtos de fios de cobre. Em 2018, foram 360 casos e, em 2017, 207 crimes. As informações são do Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp).
MTST não tem atuação no Amazonas
O Comprova entrou em contato com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que negou qualquer ligação com o suspeito. O MTST frisou que não tem atuação no Amazonas.
Segundo Rud Rafael, coordenador nacional do movimento, o MTST atua em 12 estados do país: na região Norte, Roraima e Tocantins; no Nordeste, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Sergipe; no Centro-Oeste, Goiás e Distrito Federal; no Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; e o único estado do Sul é o Rio Grande do Sul.
O coordenador do grupo afirmou que o MTST “jamais teria esse tipo de prática”. De acordo com Rud Rafael, o MTST atua principalmente na defesa do direito à moradia, sempre em ambiente urbano e principalmente nas periferias das cidades.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
A publicação do site Acontece agora foi feita no dia 26 de agosto e, até o dia 28, tinha 9,3 mil interações no Facebook, segundo a ferramenta CrowdTangle. A do perfil @ajuricabat foi postada no dia 24 e, no dia 28, tinha 2 mil retweets e 3,7 mil curtidas.
Agências de checagem também verificaram o conteúdo de postagens que usaram essas fotos, como o Estadão Verifica, que é parceiro do Comprova, o Fato ou Fake (que foi publicada no G1, no O Globo e no Extra) e o Boatos.org.
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Investigação e verificação
Sistema Jornal do Commércio e Band participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Folha, Estadão, Correio do Povo, Nexo, SBT e GaúchaZH.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição deste ano está dedicado a combater a desinformação sobre políticas públicas. O SBT faz parte dessa aliança.
Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, duvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.