Compra de apartamento para mãe vira 14 anos de briga judicial no Paraná
MPF pediu investigação contra construtora por suposta manipulação do mercado de ações; PDG Realty afirma que não foi citada no processo

Emanuelle Menezes
Catorze anos de espera por uma solução. O que começou como um sonho do executivo Alan Giuliano Dall Alba Ceppini de conquistar um apartamento próprio para a mãe, se tornou um conflito arrastado há mais de uma década na Justiça contra a construtora PDG Realty – que, após pedido de recuperação judicial, passou a atuar como ix.Incorporadora. Há três meses, o Ministério Público Federal pediu que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Polícia Federal investiguem a empresa por suposta manipulação do mercado de ações.
Em nota, a PDG afirma que não foi citada no processo. (Leia a íntegra no final dessa reportagem)
Tudo começou em fevereiro de 2011, quando Ceppini adquiriu, na planta, dois apartamentos no edifício The Square, em Curitiba. A ideia, contou o executivo ao SBT News, era presentear a mãe com um dos imóveis e alugar o outro para garantir uma renda passiva (rendimento obtido sem a necessidade de trabalhar diretamente).
Uma das unidades, na torre 3 do edifício, custava R$ 541.731,94. A outra, na torre 2, tinha o valor de R$ 496.132,49. O combinado era pagar uma entrada e parcelas mensais, mas, após desembolsar mais de R$ 500 mil, o executivo percebeu que havia algo errado: as obras pararam. O contrato firmado entre Alan e a PDG Realty garantia a rescisão sem prejuízos ao comprador após seis meses de atraso e foi isso o que ele fez.
"Quando realmente eu vi que a obra passou de seis meses, eles começaram a dar outras desculpas e que ia atrasar quase um ano, eu tomei a decisão de fazer a rescisão. Procurei um advogado para que a gente fizesse uma rescisão com informações jurídicas, para que não houvesse problemas, e daquele momento em diante a gente começou a ter diversos problemas para receber esse recurso de volta", conta Ceppini.
A ação de indenização do executivo foi aceita pelo juiz em primeira instância, em novembro de 2015, mas, pouco mais de um ano após a decisão favorável a Ceppini, o Grupo PDG entrou com um pedido de recuperação judicial na 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo. Na época, a empresa acumulava uma dívida total de R$ 7,8 bilhões.
O plano de recuperação judicial do Grupo PDG, que abrangia mais de 20 mil credores (entre eles bancos, trabalhadores e consumidores) e dívidas superiores a R$ 4,6 bilhões, foi homologado na Justiça em dezembro de 2017 e, em novembro de 2020, foram acrescentadas à proposta novas condições de pagamento. No mesmo período, a construtora reconheceu que devia a Alan R$ 752.745,23 (valor da dívida com correção monetária).

De credor a acionista
Com a recuperação judicial, o pagamento dos créditos devidos pela PDG Realty foi condicionado a sete opções. Somente uma delas pagaria o valor total da dívida em dinheiro, isso se ela não ultrapassasse um limite de R$ 35 mil – o que não era o caso de Alan. Para ele, a melhor proposta foi aceitar ações da empresa. O executivo passaria a ser não mais um credor e sim um acionista da PDG.
"[A construtora] apresentou um formato de pagamento, não só para mim, mas para outros credores, que seria receber mais rapidamente através de cotas da empresa, para que eu pudesse depois vender essas cotas na Bolsa de Valores", conta.
A empresa, então, emitiu milhões de novas ações (que valiam R$ 0,25 cada) para pagar esses credores. O problema é que, com o grande aumento de capital, as ações da PDG oscilaram 60%, passando a valer muito pouco (apenas R$ 0,01). Fernando Struecker, advogado de defesa do executivo, também afirma que Ceppini foi lesado porque a PDG Realty não realizou uma técnica rotineira no mercado em casos de recuperação judicial. O "lock-up" impede que as ações sejam negociadas por um período. Ao não realizá-lo, a empresa permitiu que, quem fosse recebendo ações, já as negociasse, o que impactou os preços para quem fosse contemplado depois.
"Se você pega um consumidor que foi lesado, entrega ações para ele e agora ele se torna um investidor forçado da empresa, obviamente ele não vai querer essas ações, ele vai querer o dinheiro. Então, ele vai levar a mercado e vai ofertar para venda. Vai gerar uma oferta muito grande de vários credores no Brasil, todos lesados, de modo que, pela oferta e demanda, acaba caindo o preço a patamares irrisórios", diz Struecker.
O acordo era de que Alan recebesse 3.138.175 ações ordinárias da companhia, que totalizariam o valor devido a ele (R$ 752.745,23). Mas, no momento da transferência de titularidade, dois meses depois do aumento de capital, elas valiam menos de 10% do que ele deveria receber: R$ 61.381,75.
Suspeita de manipulação de mercado
Passados 13 anos do início do imbróglio com a PDG Realty, Ceppini fez uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) do Paraná de manipulação do mercado. O processo foi encaminhado para São Paulo, por ser o local onde a empresa está sediada. Em fevereiro de 2025, a juíza federal Fabiana Alves Rodrigues encaminhou o caso novamente ao MPF e deu um prazo de 120 dias para prosseguimento das investigações.
Dias depois, a procuradora Carolina Bonfadini de Sá, da Procuradoria da República em Foz do Iguaçu, solicitou a instauração de um inquérito policial à Polícia Federal de São Paulo. Além disso, pediu que a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) emitisse um parecer técnico sobre os fatos. A decisão fica a cargo da 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo.
A suspeita é de que a operação de aumento de capital realizada pela companhia tenha sido feita de forma irregular, com indícios da ocorrência do crime de manipulação do mercado, tipificado na Lei n° 6.385 de 1976. Para a defesa do executivo, o aumento de capital foi realizado pela construtora com o objetivo de "aumentar fraudulosamente o volume de negociação com as ações da PDG" e, como consequência, diminuir a cotação do crédito devido.
Os credores, agora, "dependem de uma hipotética e futura recuperação da companhia para que possam reaver seus valores investidos e declarados em sentença judicial, em clara inversão da ordem legal, que de consumidores, passaram a ser acionistas", diz a denúncia ao MPF.
Em 2022, após o fim da recuperação judicial, a PDG passou seus ativos para uma nova marca, a ix.Incorporadora. Segundo o site da construtora, 701 empreendimentos já foram realizados em 15 estados e no Distrito Federal, com vendas que somaram R$ 25 bilhões. 11 imóveis, entre lançamentos, prédios prontos para morar ou em obras, são oferecidos pela empresa.
O sentimento de ver que a construtora segue atuando, diz Alan Ceppini, é de frustração. "Você compra um imóvel para dar de presente para sua mãe, compra mais uma unidade para tentar fazer um dinheirinho, para tentar ter uma renda extra e tudo mais, não recebe. A empresa passa 14 anos dando desculpas e continua atuando no mercado, vendendo novos apartamentos, talvez lesando novas pessoas", afirma.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a PDG Realty afirmou que ainda não foi citada no processo e, por isso, está impossibilitada de se manifestar sobre o conteúdo da denúncia. A construtora também reiterou seu "compromisso com a transparência, a boa governança e o respeito às instituições".
Procurada, a PF afirmou que não comenta investigações e inquéritos em andamento. A CVM informou que dois processos correm contra a companhia na comissão, mas que também não pode comentar o caso.
Leia posicionamento da PDG Realty na íntegra:
A PDG Realty S/A, negociada sob o ticker PDGR3, em resposta ao contato feito por este veículo, esclarece que ainda não foi oficialmente citada no âmbito do processo mencionado.
Dessa forma, a companhia está, por ora, impossibilitada de se manifestar sobre o conteúdo da ação, uma vez que ainda não teve acesso formal aos autos e ao teor da demanda.
A empresa reitera seu compromisso com a transparência, a boa governança e o respeito às instituições, e informa que prestará os devidos esclarecimentos tão logo tenha conhecimento oficial dos fatos.