O que a tragédia no mar revela sobre nós
Dois mares. Duas tragédias. Duas repercussões e uma conclusão amarga
Sérgio Utsch
Nos principais portais do Brasil e do mundo, a notícia do submersível que desapareceu no Oceano Atlântico é destaque desde 2ª feira, quando foi confirmada pelas autoridades norte-americanas. É assunto tão trágico quanto bizarro.
Cinco milionários pagam o equivalente a mais de R$ 1 milhão pra embarcar numa aventura submarina pra ver as ruínas do Titanic numa cápsula de pouco mais de 6 metros de comprimento. Entre os passageiros, está o bilionário britânico Hamish Harding, de 58 anos.
Os internautas reagiram em massa. A imprensa respondeu ao barulho. As principais redes de TV dos Estados Unidos e do Reino Unido acompanham as buscas com boletins ao vivo e imagens divulgadas pelas equipes de resgate e especialistas que explicam como funcionam as buscas e por quanto tempo vai durar o oxigênio.
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Seja qual for o fim dessa história, ela já deixou uma lição tão óbvia quanto amarga. Esta é uma daquelas circunstâncias que escancaram o fato de que, no mundo real, vidas humanas tem valores diferentes. Você pode não ter notado nem ter visto, mas 3 dias antes, houve outra tragédia no mar, de proporções ainda maiores.
Por enquanto, há 81 mortos confirmados e 104 sobreviventes de uma embarcação que levava africanos e asiáticos da Líbia para a Itália. A última estimativa é que havia 750 pessoas a bordo, entre elas, pelo menos 100 crianças. O assunto já sumiu das manchetes e dos trends das redes sociais e, aos poucos, vai perdendo a força necessária pra pressionar as autoridades.
Ao contrário do submersível que fazia tour nas ruínas do Titanic, essas pessoas não estavam a passeio. Fugiam de conflitos, perseguições e da pobreza pra tentar uma vida melhor na Europa. Só no ano passado, mais de 2.300 morreram na mesma rota, no Mar Mediterrâneo.
Diferentemente do submersível que mobilizou as guardas costeiras de Canadá, Estados Unidos e militares da França, a tragédia no Mediterrâneo não gerou uma grande força tarefa para as buscas, que estão concentradas com a Guarda Costeira da Grécia, a mesma acusada de não impedir uma embarcação visivelmente super lotada de seguir viagem.
É um problema recorrente, que ganha força com a vista grossa dos políticos e com os lucros das redes de tráfico de seres humanos, cuja história frequentemente é resumida em números. Foram mais de 24 mil mortes desde 2014. As tragédias do Mediterrâneo não são uma questão de "se", mas "quando" vão acontecer e "quantos" serão mortos.
A vida dos 5 passageiros e do piloto do submersível são tão valiosas quanto as vidas das cerca de 100 crianças e centenas de adultos que ainda estão desaparecidos na costa da Grécia. O que muda o jogo e explica muito sobre o mundo em que vivemos é o barulho sobre cada episódio. Ou a ausência dele.
A uns, a repercussão ao vivo, a cobertura incessante, milhões de likes e compartilhamentos. A outros, o silêncio ensurdecedor da indiferença. Os milhares que perecem na travessia do Mediterrâneo são personagens de uma tragédia repetida, de uma novela que já cansou os olhos ávidos por novidades. É o mais do mesmo da miséria humana.