O dia das mulheres na Moldávia em meio à apreensão, frieza e fake news
Correspondente do SBT revela dificuldades da ex-república russa em conviver com ações de desinformação
Sérgio Utsch
No dia em que a neve se alternava com momentos de sol e céu azul, milhares foram passear pelas ruas de Chisinau, a capital da Moldávia. Muitas mulheres tinham flores nas mãos. O dia internacional dedicado a elas é feriado nacional no país que vive um misto de apreensão e frieza com o que acontece a pouco mais de 60km da cidade, em território ucraniano.
"Não gosto de política", responde um rapaz que aparenta ter menos de 30 anos com quem a reportagem do SBT News tentou conversar sobre a guerra. "Não me envolvo com política e não vou falar contra a Rússia", alega uma senhora, que caminhava com uma amiga. "Não entendo de política", justificou uma adolescente de piercing no nariz e pálpebras pintadas de vermelho, que seguia com amigos para uma cafeteria ao ar livre, que tocava música francesa e atraía dezenas de pessoas, apesar da temperatura abaixo de zero.
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Com pouco mais de 2,6 milhões de habitantes, a Moldávia foi uma das 15 repúblicas da ex-União Soviética. Trinta anos depois da desintegração do bloco comunista, o país continua sofrendo forte influência de Moscou. Pelo menos 30% dos moldavos têm o russo como primeira língua. As eleições são disputadas entre partidos que são pró-União Européia e os que são pró-Rússia. Nas últimas eleições, em 2020, o candidato de Putin à Presidência foi derrotado.
O atual governo decretou estado de emergência, fechou o espaço aéreo e baniu todos os canais russos de televisão. "Nossos esforços tem que se concentrar agora em controlar a campanha de desinformação que está sendo feita por agentes russos aqui na Moldávia", diz Iulian Groza, analista de políticas internacionais e representante da sociedade civil no Conselho de Segurança da Moldávia.
Esperança
Naolejola, 59 anos, prefere se apresentar em russo, como fazem pelo menos 30% da população de Moldávia. Em romeno, idioma oficial do país, o nome dela é Speranza. A psicóloga é uma das que consomem conteúdo em russo e que veem a guerra com outros olhos. "Eu acho que Putin não está protegendo apenas a Ucrânia, mas toda a Europa", diz ela, convicta de que o que acontece no país vizinho "é uma luta contra o fascismo". Ela não se incomodaria se os russos tomassem conta da Moldávia.
"Na cidade de Kharkiv (a segunda maior da Ucrânia), a Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) estava construindo uma base militar." Assim como muitos russos, Speranza é vítima da máquina de propaganda que tenta controlar a narrativa sobre o que acontece na Ucrânia. Na Moldávia, essa engrenagem poderosa usada desde os tempos da ex-União Soviética marcou profundamente a política e a sociedade do país.
Angelika e a filha, de 16 anos, chegaram de Odessa no último domingo. A cidade portuária no Mar Negro é um dos pontos mais estratégicos para os ucranianos e fica a menos de 200km da capital moldava. Os intensos bombardeios fizeram com que a família tomasse a decisão de se dividir. Sem permissão pra sair da Ucrânia, como todos os homens de 18 a 60 anos, o marido ficou. Em Chisinau, as duas foram abrigadas pela família de uma amiga da filha.
"Ninguém acredita que a Rússia está atacando a Ucrânia. Na casa onde estamos, eles dizem que é fake news. Me pediram pra deletar todas as fotos que eu tinha no celular porque disseram que não eram fotos reais", conta. Angelika já decidiu se refugiar na Polônia com a filha. Ela diz que não se sentiria segura no país se os russos conquistarem Odessa. Se isso acontecer, ela diz ter "100% de certeza que eles vão atacar (a Moldávia). Tem o porto e tem a Transnístria".
O porto a que ela se refere é o de Giurgiulesti, que fica no delta do rio Danúbio, antes da foz no Mar Negro, tão importante para a Moldávia, quanto o de Odessa é para a Ucrânia. A Transnístria é a faixa a leste do país, na fronteira com a Ucrânia, sob controle de separatistas há quase 30 anos. Os rebeldes são apoiados por Moscou e agora tem a companhia de quase dois mil soldados russos. É uma carta na manga de Vladimir Putin, que o presidente russo ainda não usou.
Mulheres
O barulho dos tambores chamou a atenção de quem passava pela avenida onde fica a sede do governo da Moldávia. Cerca de 100 pessoas fizeram um protesto pacífico em solidariedade às mulheres ucranianas, dando voz a uma parte significativa do país que condena as ações da Rússia no país vizinho. "Estamos juntas com as mulheres da Ucrânia que lutam por suas vidas", disse uma ativista moldávia para o grupo que seguiu até a embaixada russa.
É uma mulher que preside a Moldávia. Maia Sandu, pró-União Europeia, tem conversado com vários líderes nos últimos dias. No encontro que teve com o Secretário de Estados dos EUA, Antony Blinken, no último fim de semana, ela condenou a "presença ilegal" de tropas russas em seu país e disse que não tem informações sobre as intenções de Moscou. "Nesta região não é possível nos sentirmos realmente seguros quando testemunhamos todos esses ataques e a guerra." Não deixa de ser emblemático que, na Ucrânia, os pró-Rússia perderam muita força depois dos bombardeios
Os bombardeios nos vizinhos, que muitos temem que cheguem também à Moldávia, já aumentaram em quase 10% a população do país. Mais de 250 mil refugiados já cruzaram a fronteira, segundo o governo. A grande maioria é de mulheres e crianças. Já é a maior crise humanitária da história da Moldávia.