"Moeda de troca comum é muito diferente de moeda única", diz Haddad
Em entrevista na capital argentina, ministro da Fazenda brasileiro diz que "a encomenda está feita"

Guto Abranches
"Não há prazo, nem nome, porque nós precisamos estudar como fazer, mas a encomenda está feita." Assim, o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, respondeu aos jornalistas, nesta 2ª feira (23.jan), em entrevista coletiva, quando perguntado sobre a moeda comum entre Brasil e Argentina.
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A ideia é antiga, intensamente debatida, volta e meia retorna à cena, e sempre provoca confusão. No fim de semana, o jornal britânico Financial Times (FT) publicou texto em que diz que Brasil e Argentina iniciavam tratativas para adoção de uma "moeda comum". O anúncio teria sido feito pelo ministro da Economia argentino, Sergio Masa, que chegou a dizer que a moeda inclusive já teria nome: o "Sur".

"Estamos a caminho do Sur-real", alfineta o ex-diretor do Banco Central do Brasil (BCB) e consultor Alexandre Schwartsman. Ele não foi o único a criticar a iniciativa. É que, ao ser noticiado no FT, considerado uma espécie de bíblia para os mercados ao redor do mundo, a notícia ganhou ares de anúncio oficial, antes de qualquer consideração mais técnica sobre o que, afinal, estaria sendo proposto. "Seria uma péssima ideia, que aumenta custos de transação para os exportadores brasileiros e os riscos para o BC. A única coisa boa é que dificilmente sairá do papel", diz Schwartsman.
Esboço comum
"O que está sendo trabalhado, isto sim, é um estudo comum para se chegar a uma forma de dar 'nome' aos valores negociados nas transações entre o Brasil e a Argentina. Nada além disso", analisa, em suas redes sociais, Monica de Bolle, economista no Peterson Institute for International Economics e ex-diretora para América Latina da Universidade Johns Hopkins.
O caso é que, nem Brasil nem Argentina são países com economias que tenham o dólar como moeda original. O que não impede que ambas nações tenham reservas na divisa.
O Brasil tem estoque aproximado de US$ 330 bilhões, mas o país vizinho mal chega aos US$ 10 bilhões. Quando realizam transações comerciais, os hermanos têm que quitar as compras feitas de produtos brasileiros, por exemplo, com base em algum valor comum: frequentemente, a comunidade internacional faz isso baseado no dólar.
O problema é que, sem dólares, a Argentina não tem como pagar seus compromissos nas trocas com o Brasil, e deixa de comprar por não ter como pagar. Por sua vez, o Brasil perde parte importante do comércio exterior com um de seus maiores parceiros. É por isso que os dois governos estudam adotar uma "referência" para a conversão entre os valores do que compram e vendem um do outro, passando longe dos dólares.
Equilíbrio distante
"Não é uma moeda que vá substituir o real e o peso", afirma Monica De Bolle, sem deixar de apontar que o problema do país vizinho não afeta apenas a ele.
"Esse colapso nos fluxos por conta da escassez de dólar na Argentina tem sido prejudicial para a Argentina e para o Brasil. Para as empresas brasileiras que estavam antes muito envolvidas no comércio brasil argentina. Qual a forma possível pra resovler? Talvez pegar esse fluxo todo e em vez de denominar esse fluxo em dólares, denominar em algo diferente, uma outra moeda que vai exercer fundamentalmente o papel de unidade de conta, porque é só isso que ela está fazendo, só denominando" - Monica De Bolle.
Palavra oficial
Ainda no fim da tarde desta 2ª feira (23.jan), durante entrevista coletiva em Buenos Aires, Haddad voltou a responder às perguntas dos jornalistas sobre a suposta "moeda comum", dessa vez, ao lado do ministro argentino, Sergio Masa.
"Sempre fiz a defesa da moeda comum, e sempre disse que moeda única não é o caso. Nunca pensei que fosse viável uma moeda única nos moldes da união européia. Uma moeda de troca comum é muito diferente de uma moeda única", disse haddad. O ministro ainda ressaltou o peso da parceria, sem esquecer do momento pelo qual passa a economia portenha.
" A Argentina tem renda per capita maior do que a brasileira e cresceu mais do que a nossa economia no ano passado, mas ela tem algumas debilidades na economia. Uma delas é a escassez de moeda (dólar). Basta pegar a balança comercial dos últimos dez anos e você vai ver que o Brasil tá perdendo importância na balança comercial com a Argentina. Então, a encomenda é essa: que a gente possa ter um meio de pagamento comum entre os dois países, e não apenas para eles, mas para beneficiar toda a região." - Fernando Haddad, ministro da Fazenda do Brasil.
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