Por que o Ministério Público vê indícios de referência à Ku Klux Klan em vídeo de policiais no interior de SP
9º Batalhão da PM publicou, nas redes, imagens de uma cerimônia queimando cruzes, no interior de SP; ação se assemelha a práticas da supremacia branca nos EUA

Murillo Otavio
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) vai investigar um vídeo veiculado nas redes sociais do 9º Batalhão da Polícia Militar, no interior de São Paulo, em que policiais aparecem queimando uma cruz. O conteúdo causou reação negativa na internet e, por isso, foi apagado das redes.
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Em nota, o MP-SP afirmou que “uma cruz estaria sendo queimada [no vídeo], em situação semelhante aos rituais da Ku Klux Klan (KKK)”. A Polícia Militar nega qualquer intenção de fazer referência a ideologias políticas, raciais ou religiosas.
A ação de incendiar cruzes era realizada em todas as cerimônias da KKK. De acordo com o New York Times, as chamas representavam o ressurgimento da organização, em 1920.
A organização foi criada no final do século 19, mas passou por uma reestruturação. A ideia de atear fogo em cruzes veio do filme 'O Nascimento de uma Nação' (1915).
Vale destacar que apenas ao fim da investigação do Ministério Público será possível confirmar se há, de fato, alguma relação entre a cerimônia policial e as práticas da Ku Klux Klan. Até o momento, trata-se apenas de um indício.
O que foi a Ku Klux Klan
A Ku Klux Klan foi criada nos Estados Unidos sob o pretexto de supremacia branca. Ela pregava ódio contra a população negra e promovia ataques por acreditar em uma suposta superioridade racial.
A organização nasceu no contexto da Guerra Civil norte-americana, que marcou o conflito violento entre as regiões Sul e Norte do país. Parte dos moradores do Sul defendia a sociedade segregada, ou seja, acreditava que negros e brancos não poderiam viver de forma conjunta.
O filme' O Nascimento de uma Nação (1915)', que inspirou as chamas em cruzes, retrata o conflito desta época.
A organização teria como principal função a manutenção da supremacia dos brancos – especialmente após uma guerra em que os escravos dos antigos senhores se tornaram homens livres, capazes de se organizar. Ou seja, os “novos inimigos” precisavam ser combatidos, ainda que pela intimidação e violência.
Na prática, a KKK atuava como uma gangue de vigilantes, defendendo as propriedades dos brancos, de acordo com o New York Times
Parte do pavor que a KKK espalhava pela região era devido ao seu figurino. Capuzes e roupas longas brancas tinham duas funções: assustar negros supersticiosos e evitar a identificação dos membros pelas tropas federais que patrulhavam a região.
Em pouco tempo, o que era um grupo de vigia passou a promover ataques noturnos para matar negros libertos e seus apoiadores brancos.
A extinta KKK realizava cerimônias com diversos símbolos que a identificava, além das chamas em cruzes. Veja alguns deles:
- Brasão - o emblema circular tem uma gota de sangue no formato do número 6. Remete aos fundadores da KKK e ao sangue derramado dos brancos. Antes, era em forma de cruz e tinha o símbolo do yin-yang;
- Em nome de Deus - a KKK defendia o homem branco, protestante e sulista. A Bíblia é parte integrante dos rituais;
- Roupas brancas - A intenção era representar fantasmas de soldados mortos durante a Guerra Civil – e, assim, assustar os negros. A ideia surgiu no livro The Clansman e foi adotada pela segunda encarnação da KKK;
- Batismo - o novo integrante deve recitar um juramento: “Lembrem a todo momento: fidelidade à fé jurada é honra, vida, felicidade. Mas, para quem infringi-la, significa vergonha, desgraça e morte”;
- Armas nos rituais - a organização era um grupo armado e defendia a posse de arma como símbolo de proteção.
O vídeo dos policiais
Um vídeo publicado no Instagram do 9º Batalhão de Ações Especiais da Polícia (BAEP) de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, repercutiu nas redes sociais por mostrar policiais em um ritual com supostos símbolos ligados a supremacia branca, além de apologia ao nazismo.
As imagens, que foram apagadas pouco depois da publicação, mostram cruzes em chamas e gestos parecidos com os usados pela KKK. A gravação foi feita à noite, tem trilha sonora, cenas aéreas e encenação.
No vídeo, a palavra "BAEP" aparece em chamas ao fundo, com uma cruz flamejante em destaque, ligada a uma trilha de fogo. Também há bandeiras da corporação e viaturas da Polícia Militar com os faróis acesos.
Internautas associaram os gestos dos policiais ao nazismo. Em alguns trechos, eles aparecem com os braços estendidos para frente, na altura dos ombros, gesto semelhante ao usado por Adolf Hitler.
A Polícia Militar e o Ministério Público informaram que vão investigar o caso. A PM disse que a ação é parte de um ritual simbólico do curso, para representar a superação de limites físicos e psicológicos, sem relação com ideologias políticas, raciais ou religiosas.
Assista ao vídeo abaixo.