Caso Klara Castanho: juiz explica como funciona a entrega legal à adoção
Após uma gestação decorrente de um estupro, atriz optou pela entrega direta do bebê

Karyn Souza
O caso da atriz Klara Castanho reacendeu o debate de um tema que, no Brasil, é considerado quase um tabu: a entrega direta de uma criança à adoção. A escolha da atriz, que engravidou após ser vítima de um estupro, ganhou repercussão em 25 de junho, depois que ela teve seu caso exposto, nas redes sociais, após o vazamento de informações.
O juiz Samuel Karasin, da Vara da Infância e Juventude, explica que, apesar do processo de Klara ter ocorrido em decorrência de um de abuso sexual, a entrega legal para adoção é um direito garantido a todas as mulheres cujas condições socio-econômicas e psicológicas representarem algum impedimento aos cuidados da criança. A "Entrega Voluntária" ou "Entrega Legal" é prevista na Lei 13.509/2017, também conhecida como "Lei da Adoção", do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
"Nunca foi crime entregar uma criança para adoção, desde que isso seja feito legalmente, que isso seja feito dentro de uma Vara da Infância", pondera Karasin.
O especialista enfatiza que, visando a segurança da mãe e do bebê, a entrega legal deve ocorrer de forma sigilosa, independentemente do contexto em que a criança foi concebida. "Não precisa ser em caso de estupro. Qualquer condição impeditiva desse projeto de maternidade, ele [o desejo de entregar a criança] pode ser comunicado. Isso tem quer ser feito de uma maneira sigilosa, de uma maneira absolutamente protetiva a essa mulher e a essa criança. É melhor isso do que essa criança crescer em um ambiente de desamor, de abondo, de negligência", acrescenta.
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Samuel Karasin afirma que, a partir do momento em que a gestante opta pela entrega do recém-nascido, a decisão já pode ser manifestada à Vara da Infância, para que se inicie um acompanhamento especializado: "A mãe, se sentindo incapaz de ter uma maternidade, achando que as condições dela, por qualquer razão grave, a impeça de levar a diante esse projeto de maternidade, ela procura uma Vara da Infância ou uma assistente social dentro da maternidade, e diz que não tem condição de manter essa criança consigo durante o restante da sua vida. A assistente social comunica o fórum, ou a equipe do fórum inicia o procedimento para a escuta dessa mulher. E se ela mantiver essa intenção de entrega, há então o abrigamento da criança ou a entrega direta para o pretendente de adoção".
Além disso, o juiz destaca que, no decorrer de todo o processo na Justiça, e mesmo após a entrega da criança, a mãe é assistida de perto por profissionais, para que o desfecho seja o mais saudável tanto para ela quanto para o bebê. Por isso, lembra que há uma brecha de tempo para que a mulher volte atrás de sua decisão, caso mude de ideia.
"Às vezes, não é uma questão fácil de se resolver, mesmo com o apoio do sistema. Então, depois que essa criança nasce, essa mãe é ouvida novamente, se ela persistir com a entrega, aí é feito o abrigamento [da criança], mas ela ainda tem 10 dias, depois de sua oitiva, para pensar. Também é importante destacar que ela é ouvida por uma psicóloga, ela é avaliada, se ela tem condição de fazer a entrega ou não, e ela é assistida também por um defensor público, ou seja, é dada a ela toda a condição de pensar se a sua vida, se é ou não o que ela quer fazer", pontua.
"Eu cheguei a ouvir algo sobre abandono de incapaz. Para mim, é sinal de que o incapaz é o outro... incapaz de compreender a dor daquela mulher em ter que fazer isso", diz Karasin.
O especialista lembra, por fim, que o aprimoramento da legislação que sistematiza a entrega direta à adoção, além de reduzir os casos de abandono de crianças, conferiu às mulheres a oportunidade de escolher o próprio destino.
"Eu tenho essa experiência que, depois que esse direito foi reafirmado, desapareceram aquelas manchetes de 'criança encontrada em caixa de papelão'... porque se deu a oportunidade à mulher de encontrar um caminho legal, de encontrar acolhida no sistema. Ela não é uma criminosa por entregar. Eu cheguei a ouvir algo sobre abandono de incapaz, mas isso, para mim, é sinal de que o incapaz é o outro... incapaz de compreender a dor daquela mulher em ter que fazer isso, a necessidade dela em ter que fazer isso, incapaz de entender que o sistema não vai apedrejar uma mulher que tenha essa condição, essa necessidade", conclui o juiz Samuel Karasin.
À época do caso de Klara Castanho, a Promotoria de Justiça da Infância e de Santo André informou "que todo o procedimento de entrega do recém-nascido para adoção seguiu integralmente o trâmite previsto no Estatuto da Criança e Adolescente".
Assista a íntegra da entrevista com o juiz da Vara da Infância e Juventude Samuel Karasin: