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Falta de investimento e políticas públicas agravam direitos humanos no Brasil

Levantamento internacional aponta para aumento da fome, violência e destruição do meio ambiente

Falta de investimento e políticas públicas agravam direitos humanos no Brasil
Em relação ao saneamento básico, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e 100 milhões não desfrutam da coleta de esgoto | Agência Brasil
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O cenário dos direitos humanos no Brasil continua enfrentando instabilidade devido à ausência de investimentos estratégicos e à implementação de políticas públicas eficientes. Com isso, casos de pobreza, insegurança alimentar, violência e desemprego permanecem frequentes no cotidiano da população nacional, bem como a devastação do meio ambiente e o garimpo ilegal em terras indígenas. O panorama, segundo especialistas consultados pelo SBT News, é preocupante e reflete a crise social e econômica desencadeada pela pandemia de covid-19.

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Divulgado no último dia 29, o levantamento internacional da organização Anistia apontou que a maioria dos direitos humanos enfrentaram retrocessos no país durante os últimos meses. Os pesquisadores constataram, por exemplo, que a insegurança alimentar aumentou 54% no país desde 2018, sendo que 19 milhões de pessoas presenciaram situações de fome durante 2021 - cerca de 9% da população. Entre os agricultores familiares e as comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, a proporção de domicílios atingidos foi de 12%. 

Ao mesmo tempo, parte significativa da população continuou vivendo em situação precária e carente de serviços essenciais. De acordo com o Instituto Trata Brasil, cerca de 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e 100 milhões não desfrutam da coleta de esgoto. Os moradores de territórios rurais e tradicionais, bem como de bairros marginalizados, são os mais afetados pela inexistência ou insuficiência de infraestrutura de saneamento. O percentual da população negra vivendo em domicílios inadequados, por sua vez, é maior do que a da população branca.

Para Débora Rodrigues, mestre em Desenvolvimento e Gestão Social e diretora executiva da organização Abong, o cenário de violação dos direitos humanos no país já estava evidente nos anos anteriores, mas se intensificou ainda mais devido à pandemia, o que aumentou significativamente a desigualdade econômica e social da população. Como principais agravantes, ela cita o impacto da renda dos brasileiros por conta da alta constante da inflação, principalmente em relação aos alimentos. Para exemplificar, Débora relembra as enormes filas formadas para receber doações de ossos no ano passado e o grande aumento de moradores de rua nos municípios.  

"É importante frisar que o público dessas violações tem sexo, cor, e território. Dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil apontam para isso. Ou seja, são as famílias chefiadas por mulheres que apresentam o maior nível de insegurança alimentar de moderada à grave. Principalmente as famílias chefiadas por mulheres negras. Outro ponto é que essas mulheres estão nos espaços dos bairros mais pobres ou na zona rural, onde você tem menos acesso aos direitos humanos, como a educação", explica.

Em relação ao ensino, a pesquisa mostrou, assim como cita Débora, que problemas relacionados à falta de acesso à internet e aos equipamentos eletrônicos necessários para realizar as atividades remotas foram alguns dos motivos para o aumento das taxas de evasão escolar em 2021, especialmente entre os estudantes do ensino público pertencentes às classes D e E. Durante o período, por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal forma de ingresso nas universidades, registrou 3,1 milhões de candidatos, o menor número em 13 anos.

Além disso, os dados apontaram para as consequências da negligência por parte do governo no início da pandemia de covid-19, o que, segundo os autores, gerou um acumulado de 120 mil mortes pela doença que poderia ter sido evitado caso medidas sanitárias fossem implementadas mais rapidamente. A melhor preparação de unidades de saúde e a ampliação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) também poderia ter contido o número de óbitos por conta da escassez de insumos médicos. Um dos casos citados foi o da falta de oxigênio nos hospitais do Amazonas, bem como a ausência de medicamentos necessários para a intubação dos pacientes. 

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"As pessoas negras e as que vivem em situação de pobreza tiveram as maiores taxas de mortalidade. Elas foram especialmente afetadas pela escassez de leitos de terapia intensiva nas instituições públicas de saúde e muitas morreram em instalações pré-hospitalares à espera de admissão em unidades de cuidados especializados. As investigações conduzidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também indicaram que as ações governamentais durante as negociações para aquisição das vacinas contra a covid-19 e a implementação do programa de vacinas careciam de coordenação, eficiência e comprometimento com as evidências científicas", destacou o estudo.

Outro ponto citado pelos pesquisadores foi a violência contra mulheres e pessoas LGBTQIA+. Segundo os dados, o número de estupros nos primeiros seis meses de 2021 foi 8,3% maior do que no mesmo período de 2020, enquanto entre janeiro e junho do ano passado, 666 mulheres foram vítimas de feminicídio, o maior número desde o início dos registros, em 2017. Já entre a população LGBTQIA+, o número de mortes por discriminação foi de 80 apenas no primeiro semestre de 2021, além de centenas de denúncias de agressões físicas, ameaças e marginalização social. 

"A cada 19 horas uma pessoa LGBTQIA+ é assassinada ou agredida no Brasil e grande parte desses casos não recebe um amparo legal dos agentes de segurança pública, uma vez que essas autoridades não estão preparadas para atender esse tipo de ocorrência ", diz Agripino Magalhães, ativista do movimento Aliança Nacional LGBTQI+. Ele ressalta que, muitas vezes, as vítimas deixam de prosseguir com a denúncia de agressão nas delegacias por não ter conhecimento das leis ou por vergonha, o que acaba deixando muitos agressores impunes.

"Todos os poucos direitos voltados para a população LGBTQIA+, como a doação de sangue, o casamento civil igualitário, a adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo e a criminalização por discriminações, foram adquiridos através de muita luta e devem ser conservados. No entanto, o principal direito que enfrenta retrocesso todos os dias é o direito ao respeito, seja no ambiente de trabalho, transporte públicos ou em lugares públicos", afirma Magalhães.

O uso excessivo da força se manifestou ainda por meio de invasões de casas, destruição de pertences, tortura psicológica e restrições à liberdade de circulação. No âmbito dos homicídios ilegais, o estudo chamou a atenção para a morte de pessoas por bala perdida durante operações policiais contra organizações criminosas, principalmente em comunidades. Como exemplo, o relatório citou o caso da designer de interiores Kathlen Romeu, que estava grávida de três meses quando morreu, em junho, após ser atingida por um projétil na comunidade de Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio de Janeiro.

Entre os retrocessos também está o direito da população a um meio ambiente saudável. Em agosto de 2021, a Amazônia brasileira teve a maior taxa de desmatamento para o período em 10 anos, conforme monitoramento do Imazon. Entre janeiro e dezembro, foram desmatados 10.362 km² de floresta, 29% a mais que em 2020. Os incêndios também aumentaram na região amazônica e em outros biomas ricos em biodiversidade à medida que programas de proteção ambiental foram perdendo investimento, impedindo um maior controle da derrubada de floresta. 

Além disso, o direito dos povos indígenas, dos quilombolas e de outras comunidades tradicionais também foram violados sistematicamente. O desmatamento e as queimadas, muitas vezes resultantes da apropriação ilegal de terras por setores do agronegócio, da pecuária, da extração de madeira e da mineração, prejudicaram os direitos à terra e ao território, ao meio ambiente saudável e aos meios de subsistência dos grupos. As invasões de terras aumentaram 102% entre 2019 e 2020, afetando grande parte das famílias indígenas. No ano passado, 26 pessoas foram mortas em conflitos rurais - aumento de 30% em relação a 2020 -, sendo oito indígenas.

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Para Cristiane Mazzetti, gestora ambiental do Greenpeace Brasil, o país vem registrando, nos últimos anos, uma paralisação contínua dos planos de ação para preservar a floresta amazônica, bem como o enfraquecimento de órgãos ambientais. Ela cita ainda a negligência por parte do poder Executivo e Legislativo, uma vez que o crime ambiental "não só é tolerado, como incentivado pelos decretos e projetos de lei, como a legalização de grilagem em terras públicas e a liberação de garimpo em territórios indígenas". 

"Apesar do Brasil já saber como reduzir expressivamente o desmatamento, como fez entre 2004 e 2012, o caminho trilhado por essa gestão segue na contramão dos esforços necessários para conter a emergência climática e na contramão das exigências de países e mercado consumidor dos produtos brasileiro, que têm dado passos para restringir a entrada de commodities relacionadas ao desmatamento", diz Cristiane, citando como exemplo a lei em discussão na União Europeia, que prevê a proibição de importações brasileiras devido à falta de políticas para conter a devastação do meio ambiente.

No estudo, os pesquisadores Anistia ressaltaram que o retrocesso dos direitos humanos no país está associado ao "descaso da gestão governamental com as desigualdades socioeconômicas e territoriais, que no Brasil também estão relacionados às desigualdades raciais". A equipe do SBT News entrou em contato com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço, no entanto, permanece aberto para um futuro posicionamento.

Veja a lista completa dos direitos que sofreram retrocesso nos últimos meses:

  • Direito à saúde
  • Direito à moradia, água e saneamento
  • Direito à alimentação
  • Direito ao trabalho e à assistência social
  • Direito à educação
  • Uso excessivo da força
  • Liberdade de expressão
  • Direito a um meio ambiente saudável
  • Direito dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais
  • Direito das pessoas LGBTQIA+

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