Judeus e árabes se unem para levar comida a Gaza, mas são barrados
A 3 quilômetros da fronteira com território palestino, grupo foi impedido pelo Exército de Israel
Um comboio formado por judeus e árabes que levava comida, água e mantimentos para os palestinos da Faixa de Gaza foi barrado nesta quarta-feira (13), próximo à passagem de Kerem Shalom, no extremo sul de Israel. O lugar dá acesso à região de Rafah, também no sul do território palestino, onde estão mais de 1,5 milhão de refugiados de várias partes da Faixa de Gaza.
O caminhão e cerca de 30 ativistas divididos em pelo menos 10 carros foram impedidos pelo exército israelense de prosseguir e deixar os alimentos. "O governo israelense está mandando uma mensagem ressonante para o mundo de que está adotando uma política de impor a fome à população civil. Isso é escandaloso e vai contra as leis internacionais", afirmou Uri Weltmman, israelense, um dos coordenadores do movimento "Ficando Juntos".
O grupo procurava, também, enviar uma mensagem. Menos da metade do caminhão estava carregada. O gesto, no entanto, tinha muito peso porque marcava uma rara união entre judeus e árabes de Israel. O SBT News acompanhou a viagem ao lado de um judeu, na ida, e de uma muçulmana, na volta.
Israelense e judeu, Gilad Bentov, 28 anos, é técnico em informática. Reham Jallad, 34 anos, adquiriu a cidadania israelense há 4 anos, depois de 30 anos como apátrida, situação de centenas de milhares de palestinos. "Mas me identifico como palestina", diz a terapeuta ocupacional que nasceu e mora com a família em Jerusalém Oriental, parte da Palestina que, sob a ótica das leis internacionais, está ocupada por Israel.
"Eu acho que, se ficássemos juntos e apoiássemos uns aos outros, poderíamos ser muito prósperos. Mas precisamos passar mais tempo juntos. Como cidadão, tento aprender a cultura deles, aprender a língua, interagir mais, apostar nas coisas que temos em comum. Acho que somos gêmeos. Temos mais similaridades do que diferenças", afirma o judeu, que aprendeu a falar árabe.
Reham, que também fala hebraico, diz que tem esperança, "mas não tem muita gente que pensa dessa maneira nos dois lados". "Mas estou feliz com esse movimento porque posso falar sobre isso, posso me expressar". No lado palestino, ela também sente dificuldades em se solidarizar com as famílias de israelenses assassinados e sequestrados pelo Hamas.
Mas ela afirma, no entanto, que muitos israelenses têm dificuldade em entender a dor que eles também sentem. "Eles só pensam na dor deles, no sofrimento deles. E não admitem que estamos sofrendo também, mesmo antes de 7 de outubro", diz a terapeuta, referindo-se aos assentamentos ilegais de Israel na Cisjordânia e aos milhares de palestinos mortos e presos, muitas vezes sem acusação formal.
Reham decidiu, porém, por outro tipo de luta. "Precisamos chamar a atenção do outro lado de que não somos todos violentos. Não achamos que violência é a saída". Sobre o Hamas, ela afirma que o grupo perdeu apoio de muitos palestinos. "As coisas mudaram. Muitas pessoas não os veem mais como heróis. Eles (os palestinos) acham que (a guerra) tem que parar, não apoiam as ações do Hamas, mas não podem dizer isso".
Durante as paradas e a viagem até Kerem Shalom, pelo menos quatro israelenses criticaram a iniciativa do grupo de levar comida pra Gaza. Um carro tentou bloquear o caminhão. "Ela acha que estamos tentando ajudar os inimigos", afirma Reham, que tentou amenizar a situação com a motorista.
"Somos chamados de traidores porque não seguimos essa fantasia de que um dia os árabes vão embora, da mesma maneira que tem palestinos que acham que vão matar todos os judeus ou que vão expusá-los", diz ele. O extremismo religioso, dizem ambos, está nas raízes de muitos dos problemas.
Reham e Gilad também concordam que o requisito pra melhorar as relações é mais conversa, mais contato, a exemplo do que acontece no norte de Israel, uma das regiões em que a convivência entre árabes e judeus é mais bem-sucedida.