Mais do que carros elétricos, biocombustíveis podem descarbonizar frota brasileira
Especialistas defendem que combustíveis biológicos tem infraestrutura pronta para atender o Brasil
Pablo Valler
O Brasil desenvolveu uma tecnologia para descarbonizar todos os tipos de veículos há 50 anos. Mas, ainda não sabia disso. Na década de 70, as petroleiras passaram por uma crise global. Foi então que, por aqui, das plantas fizeram o etanol, que poderia substituir a gasolina. Ainda assim, foi colocado pelo mercado apenas como alternativa, abastecendo alguns tipos de carros ou sendo misturado à gasolina para baixar o preço do combustível fóssil.
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Até o início dos anos 2000, o Brasil era líder de produção de etanol no mundo. Depois, deu espaço para os Estados Unidos. Foi quando também se criou por aqui o biodiesel, que poderia substituir o diesel. Mas, essa conquista foi menosprezada, de novo, pelo lobby das petroleiras, que conseguiu manter o combustível biológico apenas como um complemento do fóssil. Assim, o Brasil perdeu mais uma chance de descarbonizar a frota e ser um exemplo para o mundo.
"É muito ruim que nossas políticas públicas não abordem a totalidade do nosso potencial, perdemos investimento", chama atenção a doutaranda em sustentabilidade Mel Girão: "O ciclo inteiro é sustentável. Além de conseguir absorver um pouco do C02 da atmosfera com a plantação, a cana-de-açúcar gera o etanol e o bagaço dela o biogás. Então, o ciclo é sustentável. Mais: o carro movido a etanol emite 80% menos gases de efeito estufa que a gasolina".
Mesmo com tantas qualidades, o nível de biocombustível dentro do combustível fóssil não foi incrementado todos os anos desde 2000, como se prometeu ao novo setor econômico. Durante o governo Bolsonaro, aliás, diminuiu. Hoje, a quantidade de etanol é de 27,5% na mistura com a gasolina. Já a do biodisel é de 12% dentro do diesel. O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, anunciou um projeto de aumento recentemente.
O etanol ocuparia 30% de um tanque de gasolina e o biodisel 15% de um de diesel. A diferença parece pouca, mas seria um grande incentivo às refinarias, atualmente com 50% de ociosidade, e aos agricultores que produzem as matérias-primas: cana, milho, soja, etc. Um estudo da Aprobio (Associação Brasileira de Produtores de Biocombustíveis) mostra que a cada um ponto percentual a mais na mistura de biodiesel no diesel, a indústria de proteína animal economiza R$ 3,5 bilhões nos custos de produção, o que representa redução de 0.05 p.p. na inflação. Já a proposta do governo Lula renderia uma aumento no PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 25,5 bilhões, conforme a Aprobio.
Por todos esses motivos o diretor da Aprobio, Erasmo Battistella, considera que quando o Brasil discute transição energética, "tem uma visão míope do problema. Sugiro que a gente veja pelo ciclo de vida. Por exemplo, do poço à roda, do petróleo à queima do carro. E da lavoura à roda você vê desde a plantação ao uso de fertilizantes, ao processamento, à queima nos veículos com pouquíssima emissão de gases de efeito estuda. Eu não vejo com os carros elétricos a disucssão de como é feito, desde a origem dos minerais, o uso nos veículos e também o descarte da bateria. Efetivamente, qual é o impacto?".
O impacto é um paradoxo. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais eficientes do mundo, com 89% de geração de eletricidade em fontes limpas. Mas, isso não quer dizer que seja suficiente para somar o abastecimento de veículos. Mais do que isso: "Não são fontes geradoras estáveis, porque dependem do clima. A usina de Belo Monte [Pará] só funciona de dezembro a maio. Época de chuvas. Porque foi construída em modelo de fio de água, com o fluxo do rio. Não foi construída com um lago", analisa Mel. O pior é que foram gastos R$ 40 bilhões, além da destruição de comunidades ribeirinhas.
"A externalidade [impacto] sempre vai ter. A gente tem que analisar e escolher qual quer lidar", indica Mel. Ernesto complementa que "para os biocombustíveis temos a estrutura de produção, logística, tudo pronto e com bem menos impactos".
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