Tensão e alerta na terra Yanomami, com risco de "vingança"
Inteligência monitora facções e garimpeiros; Exército vai ocupar área para expulsar invasores
A Polícia Federal e agentes de segurança entraram em alerta máximo nas últimas duas semanas, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, após as 14 mortes. Informes de inteligência sobre uma "ordem" de ataques a indígenas e autoridades foram elaborados e difundidos. Agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estão em Roraima. O Exército deve ocupar o território, segundo apurou o SBT News.
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O plano captado pela Inteligência da PF e de outros órgãos de segurança seria um revide pelas mortes de garimpeiros e supostos filiados de facções, nos últimos 20 dias. Um dos mortos é investigado como membro de uma facção criminosa e, com eles, havia armamento pesado, algo fora do padrão de armas usadas por garimpeiros e grileiros nesta região.
Ao todo são 14 mortos desde o sábado 29 de abril, mas há outros episódios anteriores de conflitos e assassinatos, decorrentes do aumento do garimpo ilegal durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e, em especial, depois do início das operações de expulsão de invasores da Terra Indígena Yanomami, iniciado em fevereiro.
As mortes mais recentes foram registradas em comunidades e pontos diferentes do território, em dois dos principais rios de entrada dos garimpeiros, que cortam a imensa terra indígena, que vai de Roraima ao Amazonas: o rio Mucajaí e o rio Uraricoera. Ambos alvos de intensa atividade criminosa dos garimpeiros, nos primeiros ciclos de exploração nas décadas de 1980 e 1990 e na atual fase.
O garimpo ilegal e o rastro de destruição deixado por ele na terra Yanomami cresceu 46% em 2021, comparado a 2020, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA). Houve um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. "Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos o nosso monitoramento em 2018, e, possivelmente, a maior taxa anual desde a demarcação da TIY em 1992", informa o estudo Yanomami sob Ataque - Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, do ISA, publicado em 2022.
Operação Libertação
Desde o início de fevereiro ações da PF, da PRF, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Força Nacional de Segurança, com apoios locais, têm buscado expulsar os garimpeiros da área e desmontar as estruturas de garimpo e moradia dos invasores. As equipes fazem incursões nos locais identificados e desmontam e destroem os acampamentos, as currutelas (prostíbulos), bases de logística e infraestrutura, como pistas de pouso, portos nos rios, os meios de transporte, como aviões, helicópteros e embarcações, maquinários usados na extração e garimpo dos minérios. Os dados da PRF, Ibama e PF apontam o tamanho do estrago para os garimpeiros.
Batizada de Operação Libertação, em três meses a força-tarefa criada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para fazer o processo de desintrusão dos garimpeiros invasores destruiu 327 acampamentos e 18 aviões e dois helicópteros.
Balanço de 3 meses da Operação Libertação:
- 327 acampamentos de garimpeiros destruídos
- 18 aviões e 2 helicópteros inutilizados
- Centenas de motores e dezenas de balsas, barcos e tratores destruídos
- 36 toneladas de cassiterita e 26 mil litros de combustível apreendidos.
O diretor da área de Meio Ambiente e Amazônia da PF, delegado Humberto Freire, afirma que os focos de conflitos são pontos de resistência na operação de desintrusão dos invasores. Segundo ele, 85% dos pontos de ação de garimpeiros na terra Yanomami já foram removidos ou desativados com a ação.
"A grande maioria dos garimpeiros ilegais foram retirados da terra Yanomami. Temos ainda invasores resistentes e óbvio que, quando você tem um só uma parte mais residual e resistente, aumenta a possibilidade de você ter aí conflitos, como aconteceram recentemente", afirmou o delegado escolhido para chefiar a nova diretoria da PF, a Damaz, criada para tratar questões indígenas e relacionadas à Amazônia.
O SBT News apurou que, após pressão das ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e de cobrança do ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), o Ministério da Defesa deve colocar as Forças Armadas para promover a desocupação total e, principalmente, garantir a manutenção da área Yanomami livre dos invasores. Um dos principais focos de problema seria na região de fronteira, onde há concentração do registro de novos pontos de exploração do garimpo e também sujeitas a ação de criminosos e de facção criminosa da Venezuela.
"Segundo informações preliminares colhidas pelo MPF, o Ministério da Defesa estaria, supostamente, limitando o apoio prestado às equipes da Funai, Ibama e Polícia Federal para efetivar medidas importantes, entre elas, a ocupação de regiões mais isoladas cujas unidades de saúde foram fechadas por ação do garimpo ilegal", nota do MPF de Roraima.
Na 2ª feira (15.mai), o Ministério Público Federal (MPF) também cobrou informações dos órgãos governamentais que atuam na retirada dos garimpeiros da terra Yanomami sobre os pedidos de "apoio logístico" feitos ao Ministério da Defesa, nos últimos meses.
A escalada da violência na Terra Yanomami
Durante uma chuva torrencial, que atingiu o local onde funciona o bloqueio instalado no rio Uraricoera, na última 2ª feira (15.mai), garimpeiros atacaram a base de controle, onde ficam agentes de segurança para interromper o tráfego de embarcações rumo aos locais de garimpo. Eles cortaram durante o ataque o cabo de aço atravessado no rio impede a passagem das embarcações. Três voadeiras (nome das canoas com motor usadas na região) carregadas de mantimentos.
Investigadores ouvidos pela reportagem avaliam que a nova investida mostra a audácia e periculosidade dos grupos que ainda estão no território, ao agirem mesmo após as operações da força-tarefa, as mortes do último final de semana de abril e os reforços de segurança enviados. Mas, principalmente, que os garimpeiros ainda estão na floresta, "entocados" em acampamentos improvisados, esperando o fim das operações. O ataque na base da aldeia Palimiú, não registrou feridos. O Ibama solicitou apoio às Forças Armadas. Foi o quinto ataque contra agentes federais, desde o início da retomada do território Yanomami.
Os mantimentos, como comida, roupas, bebidas, medicamentos e, principalmente, combustível para as máquinas do garimpo e para manutenção dos acampamentos, são essenciais para os invasores que resistem à Operação Libertação. O local para onde os invasores seguiram, rio Uraricoera acima, leva à área do garimpo Ouro Mil e a aldeia Waikás, onde houve o confronto armado no domingo (29.abr), com morte de criminosos e apreensão de armas pesadas.
Nos últimos dias, o setor de inteligência da PF e de outras forças de segurança que atuam na área de conflito registraram informes sobre uma suposta ordem para ataques contra autoridades e indígenas. Além do PCC, são alvos da investigação facções que atuam na região, em especial uma da Venezuela, que atual na área Yanomami próxima da fronteira - também alvo principal do aumento do garimpo ilegal na região.
Entenda a sequência de mortes na TI Yanomami, no último fim de semana de abril
- 10 mortes no Uxiú (rio Alto Mucajaí) - Um deles envolvendo conflito com morte de um indígenas e nove pessoas ligadas ao garimpo, na região de Uxiú.
Sábado (29.abr) - Um grupo de garimpeiros embriagados segue no rio Mucajaí, dentro da TI Yanomami, em Roraima, durante o dia. Na altura do povoado de Uxiú, onde era realizado um ritual fúnebre de passagem de um indígena, eles discutem com os locais na beira do rio e disparam do barco, atingindo o agente de saúde indígena Ilson Xirixana, 36, que estava no velório. Um grupo de índios segue os garimpeiros, há novos disparos e dois indígenas ficam feridos.
Domingo (30.abr) - Na manhã do dia seguinte, agentes do Ibama e da PRF avistaram oito mortos, que seriam de garimpeiros, com sinais de perfurações a tiro e flecha. Os corpos estavam em uma cratera aberta pelo garimpo ilegal, em um ponto do rio Alto Mucajaí, acima da área em que o indígena foi assassinado.
Sábado (6.mai) - Mais um corpo foi encontrado no sábado na região do rio Alto Mucajaí, perto da cratera em que estavam os oito garimpeiros mortos. Ela seria mulher e mãe de dois garimpeiros que estavam entre os encontrados no final de semana.
- 4 mortes no Waikás (Rio Uraricoera) mais acima, onde houve conflito de garimpeiros com a PRF e agentes do Ibama e quatro criminosos morreram.
Domingo (30.abr) - No mesmo dia em que foram encontrados os mortos na cratera no rio Alto Mucajaí, durante uma operação do Ibama e da PRF em outro ponto da Terra Indígena Yanomami, nas regiões do garimpo Ouro MIl e da aldeia Waikás, no rio Uraricoera, quatro garimpeiros foram mortos. Ao desembarcar da aeronave, os policiais e agentes foram recebidos a tiros, segundo o registro policial. Houve confronto e quatro foram mortos. Entre eles, um dos mortos seria membro do PCC. Um arsenal de armas foi apreendido.
"O ataque ocorreu durante tentativa de desembarque da aeronave PRF, quando criminosos, munidos de armamento de grosso calibre, atiraram contra os agentes no intuito de repelir a atividade de repressão ao garimpo ilegal. Os policiais revidaram e atingiram quatro atiradores, que não resistiram aos ferimentos", informou nota da PRF.
Com os quatro mortos no domingo (30.abr), no rio Uraricoera, foram apreendidos:
- 1 fuzil
- 3 pistolas
- 7 espingardas
- 2 miras holográficas
- 38 munições
- 3 carregadores de pistola
- 2 rádios
- 4 celulares
- 1 capa de colete
- 1 coldre de pistola
- 1 coldre de revólver
A PF abriu dois inquéritos distintos para os crimes cometidos no final de semana dos dias 29 e 30 de abril: um que apura as mortes na comunidade Uxiu, no rio Alto Mucajaí, e as mortes rio acima de nove garimpeiros; e outro que apura as quatro mortes no garimpo conhecido como Ouro Mil, no rio Uraricoera, na troca de tiros com equipe da PRF e do Ibama.
Logo após o confronto, uma comitiva de Brasília desembarcou em Roraima para visitar autoridades. Na 2ª feira (1.mai), eles iniciaram o movimento para reforço e expulsão e enfrentamento dos grupos resistentes. Na ocasião, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, relatou o aumento da presença de membros de facções nas áreas de garimpo. "A gente tem percebido que essas atividades passaram a exercer uma atração de facções criminosas. Elas servem, ao mesmo tempo, como forma de lavagem de dinheiro, por meio do garimpo ilegal, por exemplo, mas também como fonte de capitalização desses grupos, já que o tráfico internacional de drogas demanda grande investimento de operação."
PF investiga PCC e outras facções em área indígena
O que já se sabia é que criminosos foragidos, de facções que controlam presídios estavam presentes nas áreas de garimpo ilegal em terras indígenas. Uma atuação de segurança armada dos garimpeiros, que além de proteger atuavam como matadores e intimidando indígenas e autoridades.
Com a morte de quatro suspeitos de integrar esses grupos, no domingo (30.abr), na terra Yanomami, a PF vai aprofundar as apurações sobre a atuação de facções nos garimpos, não só como prestadores de serviço, mas também como proprietários de máquinas e operadores da exploração ilegal de minérios. Entre os mortos estava Sandro Moraes de Carvalho, que tinha 29 anos e era conhecido como "Presidente".
Condenado e foragido da Justiça do Amapá, Presidente seria filiado ao PCC e se escondia e atuava na região de Waikás, próximo do garimpo Ouro Mil, no rio Uraricoera. As máquinas apreendidas, dragas, estruturas dos acampamentos e currutelas, se forem dos criminosos pode indicar a atuação de facções ou membros no negócio do garimpo ilegal. Investigadores avaliam que o foco são membros atuando nessas áreas, sem ainda a presença hierarquizada e institucional dos grupos como o PCC. Na área há também a presença de membros de facções da Venezuela, como o Sindicato, alvos das investigações.
"São pessoas que já têm um histórico de crime, de prática criminosa, têm ficha criminal e estavam bem armadas, com espingardas calibre 12, fuzis, rifles. São pessoas que a gente tem que desencadear operações específicas, pois o perfil de criminalidade é diferenciado do que aquela grande massa de garimpeiros, que estava praticando crime de usurpação, de retirada ilegal de minério, mas que não tem esse perfil de confronto armado", explicou o delegado Humberto Freire, diretor de Meia Ambiente e Amazônia da PF.
Em ofício recém elaborado pelo MPF em Roraima para a Justiça, os procuradores locais traçam um "panorama da delinquência associada ao garimpo". "O crescimento do garimpo retroalimenta estruturas criminosas organizadas, incluindo eixos de logística e de suprimentos, ensejando a prática de outros delitos como associação criminosa, organização criminosa, evasão de divisas e lavagem de capitais", informa. "A integração de facções criminosas à atividade minerária é elemento de preocupação adicional."
O diretor de Meio Ambiente e Amazônia da PF confirma a existência de integrantes de facções nas áreas de garimpo e afirma que as redes de segurança monitoram esses grupos. "A gente sabe que tem algumas pessoas que, ou foram faccionadas, ou podem ainda ser faccionadas ou integrantes de grupos criminosos e está sendo trabalhado no sistema de inteligência de segurança pública que nós temos no país", diz Freire.
O crime organizado, segundo apurou a PF, tem uma relação de sociedade nas áreas de garimpos. Na região de Waikás, no rio Uraricoera, em que houve o conflito na noite do domingo (30.abr) com os membros de facção, a PF já havia atuado em 2021 para desmontar uma estrutura de acampamento montada pelos garimpeiros, mas que no ano passado estava novamente ativa, como mostra o registro de imagem do estudo Yanomami sob Ataque, do ISA.
No documento, a entidade destaca "os indícios de aproximação do crime organizado de áreas afetadas pelo garimpo ilegal" e cita o episódio dos ataques em 2021 na comunidade Palimiú, na terra Yanomami, em Roraima, por pessoas que seriam ligadas ao PCC e também facções locais. "Em um dos incidentes mais aterrorizantes de 2021, a série de ataques às comunidades do Palimiú, o envolvimento de agentes do Primeiro Comando da Capital (PCC) na exploração ilegal de ouro ficou explicitado pela primeira vez no contexto Yanomami." Um problema não restrito só ao território dos yanomami, mas também em outras terras indígenas, como em Mato Grosso e no Pará. "Aquilo que alguns têm chamado de narcogarimpo tem sido o comportamento padrão."
O episódio destacado pela entidade resultou na morte de duas crianças indígenas, deixou cinco feridos e um rastro de destruição e medo na comunidade Yanomami. O primeiro ataque foi no dia 10 de maio de 2021. "Sete embarcações com homens armados, vestidos de coletes e balaclavas, se aproximaram da comunidade Yakepraopë e abriram fogo contra seus moradores, incluindo mulheres e crianças, por volta das 11 horas da manhã. Na fuga, duas crianças morreram." O crime seria uma reação à apreensão feita por indígenas de 900 litros de combustível para aviões e helicópteros que ocorreu dez dias antes. Os crimes continuaram até meados de julho
O rio Uraricoera é um dos principais alvos do garimpo. Nessas áreas há, segundo as investigações da PF, forte presença do crime organizado. Na maioria dos casos, eles se associam aos "proprietários" do ponto de extração e atuam tanto nos negócios envoltos nos acampamentos, como vendas, viagens, prostituição, venda de drogas e como seguranças.
Estado historicamente omisso e riquezas em risco
O que leva garimpeiros e outros tipos de exploradores a invadir a terra Yanomami em Roraima é a possibilidade de enriquecer. Ali estão extensas jazidas de ouro, cassiterita e nióbio. Seus rios e encostas são alvos de exploração ilegal há décadas, mas entidades e autoridades apontam um crescimento elevado nos últimos anos, com mudança de perfil dos garimpos e dos invasores.
A ação dos garimpeiros impacta não só nos rios e na floresta, pela extração irregular dos minérios, ela provoca uma série de outros problemas ao ambiente, com o lixo tóxico deixado, a sujeira espalhada, além dos impactos sociais e culturais, ainda mais irreversíveis, segundo especialistas. As estruturas montadas para os invasores traz doenças, violência, drogas, bebidas, prostituição e uma série de outros males para os povos indígenas.
O procurador da República Matheus de Andrade Bueno, que atua no MPF em Boa Vista, visitou em março a região e explicou que essa intensificação e mudança de perfil são possíveis de se observar pela análise de imagens do que chamam de "cicatrizes da floresta", observadas nos alertas, e pela mudança na estrutura dos garimpos, que passam a ter mais maquinários, estruturas mais complexas, entre outros fatores.
O garimpo ilegal na terra Yanomami cresce a partir de 2016 e 2017, tendo um boom em 2020 e 2021, mostram os dados de monitoramento. "Mudou a escala do garimpo", afirma Bueno, que destaca também o maior número de aeronaves, não só de pequeno porte, usadas pelos garimpeiros. "Verificamos pelo aumento das cicatrizes na floresta e pela mudança de perfil do garimpo. Ele passa a ter uma estrutura muito maior, um maquinário mais complexo e sofisticado e também um grande número de aeronaves. Aeronaves, inclusive, de alto valor econômico. Isso muda a escala do garimpo."
Segundo ele, a realidade atual é a de um garimpo com "atuação organizada, estruturada, profissional e realmente em grande escala, que é o que intensifica a lesão socioambiental, por um lado, e por outro aumenta a lucratividade dessa atividade."
Apesar de o ouro ser a "cereja do bolo" para os garimpeiros, pelo alto valor, ele é mais raro que o principal minério alvo de exploração nos rios que cortam a terra Yanomami. O grosso da produção clandestina é de cassiterita. "De janeiro de 2021 até o início de maio de 2022, foi apreendida, no contexto de infrações penais no Estado de Roraima, a impressionante quantidade de 200.913 kg (duzentos mil, novecentos e treze quilos) do minério cassiterita, sem mencionar outras substâncias minerais." Para ilustrar, o MPF cita que o quilograma do minério é avaliado em R$ 120,23. "De modo que as substâncias arrecadadas equivaleriam a quase R$ 25 milhões."
Documento do MPF de Roraima, que cobrou na Justiça a destinação adequada da cassiterita apreendida na terra Yanomami,pela Agência Nacional de Minérios (ANM), cita o volume entulhado na sede da PF em Boa Vista. O MPF conseguiu na Justiça que a ANM faça o leilão da cassiterita apreendida, para que os valores arrecadados sejam usados em ações para garantir a segurança do território e de combate ao garimpo ilegal na região.
"O quantitativo de minério apreendido é tão expressivo que as entidades públicas têm enfrentado dificuldades para armazená-lo em seus pátios, sujeitando-os ao risco de furto e degradação ambiental. Observe-se que, embora desde logo afetados à ANM, os minerais permanecem fisicamente acondicionados na Superintendência Regional de Polícia Federal em Roraima, em razão da inviabilidade de recebimento pela ANM."
Omissão
"Desde 2017, o MPF vem tentando na Justiça que o Estado brasileiro implemente bases de proteção no território Yanomami e que execute operações policiais para retirada de garimpeiros", afirma Alisson Marugal, um dos procuradores da República de Roraima mais experientes e atuantes na questão indígena.
No documentário O rastro do Garimpo (povo Yanomami 2023), produzido pelo MPF em abril, há o registro da visita de procuradores da República e autoridades na terra Yanomami, depois do início da Operação Libertação. Marugal esteve no grupo e afirmou que, desde 2017, o MPF tenta na Justiça que o Estado brasileiro cumpra sua obrigação constitucional de proteger essas terras indígenas, seus povos e culturas.
A Constituição de 1988 garantiu aos indígenas o direito de posse de seus territórios, preservação de suas culturas e estipulou ao estado a responsabilidade por garantir essa posse, a segurança e a sobrevivência desses povos. Atualmente, existem terras indígenas oficiais, como a Yanomami, e dezenas de outras em processo de regularização.
Uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), movida em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), determinou que a União fosse obrigada a cumprir a sua obrigação constitucional de dar proteção a esses povos indígenas e seus territórios e culturas. O ministro Luís Roberto Barroso determinou que no caso de sete terras indígenas, em que o quadro era mais grave, o Estado passasse imediatamente a fazer a retirada dos invasores e a garantia de preservação das áreas.
Na ação, foi pedido a expulsão imediata dos invasores das terras indígenas: Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapo, Arariboia, Mundurucu e Trincheira Bacaja. Por lei, ninguém pode entrar nesses territórios para caçar, pescar, garimpar, morar ou qualquer tipo de exploração ou ação que ofereça riscos aos povos originários ali habitantes.
A Operação Libertação e as demais investidas na terra Yanomami fazem parte dessa ação movida no STF, que obrigou a União a imediatamente garantir a segurança dos povos originários em seus territórios e fazer a desintrusão dos invasores. Só nessa área são mais de 20 mil garimpeiros, grileiros e outros tipos de invasores. As ações vão ser feitas também em outras seis terras indígenas. Na semana passada, a PF iniciou as operações na Terra Karipuna, em Rondônia, para retirada dos madeireiros e grileiros ilegais que ali atuam.
"Temos decisão do STF, do ministro Luís Roberto Barroso, no âmbito da ADPF 709, que determina a retirada desses invasores de sete Terras Indígenas de nosso país. São duas em Rondônia, três no Pará, uma em Roraima, que é a Terra Yanomami, e uma no Maranhão."
Segundo ele, na terra Yanomami houve uma "redução expressiva" dos invasores. "A gente precisa continuar firme realizando esse pente fino em todas essas áreas, orientados pela imagem de satélite, orientados pelas informações de inteligência, para que a gente possa concluir e retirar 100% desses invasores e, posteriormente, manter essa esse território guarnecido para evitar uma intrusão", explicou o delegado.
O delegado da PF Humberto Freire afirma que houve uma redução de quase 90% dos pontos de garimpo na terra Yanomami. "Nós sobrevoamos as áreas no dia 1ª de maio e constatamos que não há atividade. Não vimos atividade de garimpo, vimos alguns poucos acampamentos abandonados, vários inutilizados."
"Já destruímos mais de 350 garimpos dentro da terra Yanomami. Então, a estimativa é de que mais de 85% dos invasores já tenham efetivamente saído da terra indígena", delegado Humberto Freire, diretor de Meio Ambiente e Amazônia da PF
A PF tem feito o monitoramento dos pontos de desmatamento da terra Yanomami para identificar novos pontos de garimpo. Em entrevista ao SBT News, Freire destacou a queda significativa dos números. "Em abril de 2022 nós tivemos 444 alertas de desmatamento para mineração ilegal na terra Yanomami. Em abril de 2023 tivemos 18 alertas."
A PF iniciou também operações para desarticular o caixa de quem explora ilegalmente o garimpo de ouro, em especial. Em fevereiro, por exemplo, foram deflagradas três grandes operações que tinham como alvos contrabandistas, financiadores e exploradores dos minérios extraídos criminosamente do território Yanomami e de outras áreas indígenas: Operação Nau dos Quintos, Operação Avis Aurea, Lotis Auro e Operação Sisaque. Em abril, a Operação Ponte de Ouro.
O MPF acompanha as ações na área. Segundo Marugal, apenas parte das obrigações judiciais foram cumpridas até aqui pela União. "O resultado dessa falta de proteção territorial é o que nós assistimos neste momento, uma crise humanitária dentro da Terra Indígena Yanomami." Segundo ele, as ações judiciais contém "vasto acervo de evidências, provas" que "demonstram que o Estado brasileiro não executou a proteção territorial prometida pela Constituição em favor dos Yanomami"
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