Um respiro em meio à turbulência
Uma turbulência nos lembra que somos humanos, falhos, fugazes. Um grão de nuvem no céu
Márcia Dantas
Uma turbulência chacoalha a vida. Alguns precisam de anos para se recuperar. Traumas, lembranças difíceis. Outros saem mais fortes. Gratos pela oportunidade de continuar o voo.
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Uma turbulência nos lembra que somos humanos, falhos, fugazes. Um grão de nuvem no céu, que ora nos brinda com dias de sol, ora nos lembra que a chuva é necessária e bem-vinda.
Numa atmosfera de pânico, ficamos cegos. O sentimento é de impotência diante do vento desconhecido, da força da natureza lá fora. Olhar pela janela não é uma opção. Precisamos olhar para dentro. O que construímos nessa jornada deixará rastros de luz ou escuridão?
Seremos lembrados por nossa essência de pássaro ou apenas por uma foto com capa e pose de super-herói?
Uma mãe se despediu da filha durante um voo para Assunção, esta semana. Os vídeos do terror vivido dentro da aeronave, por conta de uma turbulência, me deixaram pensativa.
Vivemos dias assim, mas com os pés no chão. Uma fúria nunca vista antes. O clima pesado no almoço de família. As respiradas fundas no salão de beleza. As rodas de amigos, que antes assistiam juntos o futebol de domingo, mesmo torcendo por times diferentes, foram desfeitas. Não há clima.
Perdeu-se a habilidade de conviver com a discordância. Estamos surdos também. A altitude tampa os ouvidos daqueles que acreditam apenas no cinto de segurança e no piloto. Não se pode tirar o mérito da oração, das mãos dadas e até dos gritos para aliviar o desespero. Estamos todos no mesmo avião.
Ele pode estar agora sem parte do "bico" frontal, o para-brisas cheio de danos, mas ele nos sustentou até aqui. Assim como seu tio, que defende um partido político na qual você discorda, mas ajudou seu pai a criar um negócio próprio. E tantas histórias e memórias que poderiam estar sendo curtidas e criadas entre vocês, estão suspensas. Não é a turbulência, é a nossa falta de habilidade para lidar com os nossos medos. E estamos todos no mesmo avião.
Desejo que quando o coração parar de palpitar por conta do "susto", a gente volte à estaca zero. Retome aquele sentimento da criança que vai voar pela primeira vez. Olhos ansiosos e brilhantes ao ver as nuvens. Que a gente busque essa pureza de reatar laços e sonhos, com aqueles que amamos. E que nosso voo jamais termine antes de dizermos um "eu te amo" a quem precisa ouvir.
Estamos todos aqui. Vivos. No chão. Somos livres para fazer escolhas. Isso é o que realmente importa.