Combate ao tráfico e uso de drogas no centro de São Paulo é desafio da segurança pública e saúde
Estudo revela o perfil dos usuários da Cracolândia: maioria é formada por homens negros, entre 30 e 49 anos; 69% já foram internados e 90% usam crack
Bruna Macedo
Há uma semana, o SBT Brasil exibiu cenas de tráfico e consumo de drogas a céu aberto no bairro do Brás, no centro de São Paulo. A reportagem mostrou que a comercialização e o uso de entorpecentes ocorrem na frente de policiais militares, que não demonstraram reação. A situação reflete um problema grave não apenas de segurança pública, mas também de saúde.
Nos dois dias em que a equipe de reportagem voltou ao local, a movimentação do tráfico permaneceu inalterada, mesmo com a presença da polícia. E o cenário não se restringe ao Brás: bairros como Glicério e Bom Retiro também registram rotinas semelhantes.
+ Prefeitura de SP estuda oferecer até R$ 50 mil para moradores deixarem bairro alagado por 3 dias
Além da questão da segurança, o problema se desdobra na saúde pública. Frequentemente rotuladas como “drogadas”, os dependentes químicos têm histórias de vida marcadas por vulnerabilidades. Um estudo do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP, do Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getúlio Vargas (NEB/FGV) e do Grupo de Estudos (in)disciplinares do corpo e do território (Cóccix), traçou o perfil dos frequentadores da Cracolândia e revelou que a maioria é formada por homens negros, entre 30 e 49 anos. Do total, 69% já foram internados e 90% fazem uso de crack.
Ao percorrer a região, a repórter Bruna Macedo constatou que parte dos usuários se concentra atrás de um muro recém-construído, enquanto outros ocupam calçadas e ruas. O vício os acompanha desde a infância para alguns, enquanto outros perderam todos os laços familiares.
Thiago Moraes, que passou 12 anos na Cracolândia, perdeu completamente o contato com a única filha. Atualmente, ele está em recuperação no Serviço de Cuidados Prolongados (SCP), uma unidade mantida pela prefeitura de São Paulo. “Ontem vi minha filha depois de dez anos, foi a melhor coisa do mundo. Ela se parece mais comigo do que com a mãe dela”, relatou.
+ Taiwanês na lista da Interpol é preso pela Polícia Federal no Rio
Histórias como a de Thiago se repetem entre os internos do SCP. Rogério Pinto, também acolhido pelo serviço, conta as dificuldades do processo de recuperação. “A abstinência vem forte. Você passa um ano inteiro usando todos os dias e, do nada, coloca um freio. Foi difícil.”
A pesquisa também apontou que quase metade dos usuários da Cracolândia não tem expectativas em relação ao poder público ou acredita em um tratamento ideal. Muitos relataram ter sido vítimas de violência.
Para aqueles que conseguem superar essa barreira, um dos caminhos de ressocialização é o Programa de Operação Trabalho (POT), desenvolvido pela prefeitura de São Paulo. Segundo Rodrigo Goulart, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da prefeitura, o programa oferece cerca de dez cursos, que vão desde artesanato até gastronomia.
Ana Maria Franklin é um exemplo de reinserção social. Com a confecção de bonecas, conseguiu sair das ruas e construir um lar. “Antes era escuro, agora está clareando, porque tenho várias oportunidades. As pessoas me reconhecem de outra forma. Pensava que nunca sairia daquela situação para ser uma Ana Maria Franklin, que trabalha, estuda e pensa no amanhã.”