Marina assume Meio Ambiente com promessa de trabalhar por desmatamento zero
Nova ministra afirmou que houve "completo desrespeito pelo patrimônio socioambiental" nos últimos anos
Em discurso na cerimônia de assunção ao cargo, nesta 4ª feira (4.jan), a nova ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), afirmou que trabalhará para que o Brasil alcance desmatamento zero e implemente o correto ordenamento territorial e fundiário, e fez várias críticas ao governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).
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Segundo a ministra, assume o cargo com um misto de sentimentos: alegria de retornar ao governo, mas também preocupação, estarrecimento e tristeza em ver que o Palácio do Planalto, onde houve a cerimônia nesta 4ª, "foi palco nos últimos anos de vários atos contra a própria democracia, contra o povo, a ciência e a saúde, o meio ambiente, os interesses estratégicos e econômicos do Brasil, enfim, contra a própria vida".
Em suas palavras, "o que vivemos nesses anos que se passaram foi um completo desrespeito pelo patrimônio socioambiental brasileiro". "Povos indígenas e quilombolas sofreram a invasão de suas terras e territórios. Nossas unidades de conservação foram atacadas por pessoas que se sentiam autorizadas pelo mais alto escalão do governo. Boiadas se passaram no lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. O estrago não foi maior porque as organizações da sociedade e os servidores públicos, vários parlamentares, se colocaram à frente de todo esse processo de desmonte", complementou.
De acordo com Marina, nos último anos, houve ainda desmatamento descontrolado no Brasil, e as terras indígenas e unidades de conservação ficaram à mercê do crime organizado. Ela relembrou, entre outros, os assassinatos do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira -- que ocorreram quando apuravam atividades ilegais de madeireiros e garimpeiros na Amazônia -- e prestou homenagem às vítimas. Para ela, "infelizmente são símbolos tristes deste período recente".
Marina ressaltou que, participando do Grupo Técnico (GT) de Meio Ambiente do gabinete de transição governamental, no ano passado, teve acesso a informações que a deixaram mais preocupada. Conforme os dados obtidos, disse, de 2019 para cá "houve um profundo processo de esvaziamento e enfraquecimento dos órgãos ambientais". "O MMA perdeu o Serviço Florestal Brasileiro, a Agência Nacional de Águas também". O Ibama e o ICMBio, falou a ministra, "foram toalmente fragilizados, e seus servidores foram perseguidos, demitidos, maltratados ou desautorizados em plenas operações de fiscalização. A política de mudança do clima foi completamente esvaziada, a ponto de que o Brasil, que antes era um expoente e ator na esfera global, passou a ser visto como um pária ambiental".
Ela apresentou o motivo de ter sido acrescentado no nome do ministério em 2023 "Mudança do Clima": "A emergência climática se impõe. Queremos destacar a devida prioridade daquele que é talvez o maior desafio global vivido presentemente pela humanidade. Países, pessoas e ecossistemas mostram-se cada vez menos capazes de lidarem com as consequências, e comprovadamente os mais pobres são os mais afetados. O governo brasileiro, que sempre foi protagonista nessa discussão, não se furtará a exercer esse papel de liderança nacional e internacional por meio do MMA e de todos aqueles que agora tem essa agenda internalizada em suas pastas, graças à nossa política de tranversalidade, assim estabelecida pelo presidente Lula".
Dessa forma, acrescentou, a nova gestão do Executivo atuará para recuperar, fortalecer e criar um arcabouço institucional a favor de uma governança climática "robusta e articulada, de forma a tratar o tema com a necessária transversalidade, com a participação de todas as instâncias governamentais, na esfera federal, estadual e municipal, bem como de representantes de toda a sociedade brasileira, do setor produtivo, acadêmico, cintífico, da sociedade civil, das nossas polpulações tradicionais".
Conforme Marina, o Brasil possui um desafio "enorme" para cumprir os compromissos que assumiu no Acordo de Paris, de 2015. "Trata-se da área em que houve retrocesso principalmente devido ao aumento da emissão decorrente do desmatamento, que se acirrou nos últimos quatro anos. Para lidar com esse desafio é essencial que toda a governança sobre mudança do clima possa evoluir. De imediato, foi recriada a Secretaria Nacional de Mudança Climática [no MMA]", pontuou. Na secretaria, foi incluído um Departamento de Política para o Oceano e Gestão Costeira.
Ainda de acordo com a ministra, o Governo Federal formalizará, até o próximo mês de março, a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, no âmbito do MMA, e criará um Conselho sobre Mudança do Clima. Este ficará sob o controle de Lula, e todos os ministérios participarão dele. Nas palavras de Marina, "o conselho será o loco central da concertação e da pactuação das políticas brasileiras sobre mudança do clima e vai além da esfera federal". "Estamos também propondo o redesenho do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, instância destinada a concatenar as decisões do conselho em políticas formuladas em diferentes ministérios do governo".
Posteriormente, ela detalhou a função da Autoridade Nacional: "Produzir subsídios para a execução e implementação da política nacional do clima, regular e monitorar a implementação das ações relativas às políticas e metas setorias de mitigação, adaptação, promoção da resiliência às mudanças do clima e supervisionar instrumentos, programas e ações para implementação da política nacional sobre mudança do clima e seus planos setoriais". O governo decidiu submeter o projeto de criação da autarquia ao Congresso Nacional até o final do mês de abril.
Estrutura do MMA
A nova titular do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima explicou que o Serviço Florestal Brasileiro e a ANA estão de volta à pasta e foi criada nesta também um Departamento de Proteção e Defesa dos Direitos Animais. O decreto por meio do qual foi estabelecida a estrutura do MMA no governo Lula, conforme Marina, encerra a "usurpação" de funções "que tinha o objetivo de, diga-se a verdade, enfraquecer a gestão pública na área ambiental". "Essa nova estrutura está em consônacia com o aparato constitucional e legal que orienta as políticas públicas ambientais. Portanto, vinculados ao ministério estão o Ibama, o ICMBio, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a ANA, o Serviço Florestal Brasileiro e mais à frente, se Deus quiser, teremos a Autoridade Nacional de Mudança Climática".
Ela se comprometeu a trabalhar para se chegar a desmatamento zero e à correção do ordenamento territorial e fundiário do Brasil ao dar detalhes sobre outra nova divisão de sua pasta: a Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial e Fundiário. "Por que extraordinária? Quando eu sugeri isso, não foi nada original. Eu me inspirei no Ministério Extraordinário do Desenvolvimento Agrário. Por que extraordinário? Porque quando a gente fizer, se deu quiser, a reforma agrária, não precisa mais do ministério. A secretaria vai ser extraordinária porque quando alcançarmos a meta, que vem lá do governo ainda da presidente Dilma e que o presidente Lula assume com muita coragem e determinação, quando chegar ao desmatamento zero, não precisa mais ter a secretaria. Quando for feita a destinação das áreas para terras indígenas, unidades de conversação, consolidação para produção sustentável, porque nós temos que ter uma economia diversificada, não tem mais a necessidade da secretaria", pontuou. Na sequência, disse que o secretário responsável, então, terá sua taxa de sucesso medida na data em que Lula extinguir a divisão, e que vai trabalhar, assim como os outros integrantes do governo, "para que ele perca esse emprego", classificado por ela como não sendo dos mais fáceis.
O MMA ainda pretende dar destaque ao papel dos povos e comunidades tradicionais, da forma como prevê a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Outra secretaria nova com que conta é a de Bioeconomia. Marina chamou isso de fundamental inovação.
"Sendo o Brasil uma potência ambiental, portador de uma imensa biodiversidade, sobre a qual há o riquíssimo conhecimento tradicional associado, acreditamos que é fundamental investir no uso sustentável desse enorme patrimônio. O papel dessa nova secretaria e em conjunto com os outros órgãos do Governo Federal é de estimular a bioeconomia, que valorize a nossa biodiversidade, nossos ativos ambientais, gerando renda, emprego e divisas. Temos muita expectativa com essa nova unidade do MMA para que a gente possa fazer jus ao nosso compromisso de ajudar a tirar o Brasil do Mapa da Fome. Também teremos a Secretaria de Gestão Ambiental Urbana e Qualidade Ambiental", afirmou.
Para a ministra, é "inegável" a necessidade de o Brasil possuir políticas ambientais para o meio urbano e essa temática será desenvolvida pelo MMA em conjunto com os demais ministérios e "em forte parceria" com a pasta das Cidades. A Secretaria de Gestão Ambiental Urbana e Qualidade Ambiental será, acrescentou, "o endereço que o movimento de catadores tem no Ministério do Meio Ambiente" e assim foi pensada para ser porque Lula havia pedido à política da Rede uma atenção especial ao movimento.
A participação dos cidadãos e a transparência serão prezados pelo MMA, pois, segundo Marina, é impossível a pasta cuidar de toda a sociobiodiversidade do país "sem a participação da sociedade". Nesse sentido, serão estabelecidas a Conferência Nacional de Meio Ambiente e a Conferência Infantojuvenil.
"Estabeleceremos e fortaleceremos a participação social como guia orientadora das nossas ações, recriando ou redesenhando conselho ou comissões desmanteladas na última gestão, além de criar instâncias para aglutinar, debater e fazer com que os direitos das pessoas de todos os segmentos possam ser exercidos de acordo com a nossa Constituição, de poder decidir sobre os rumos das políticas públicas. A participação social na pauta ambiental foi destruída no governo anterior", disse a ministra.
Papel do ministério
Se aproximando do final do discurso, ela destacou o papel do MMA: "não é ser um entrave às justas expectativas de desenvolvimento econômico e social de nossa população, mas de um facilitador, sem perda de qualidade, para orientar a forma como esssas demandas podem ser atendidas sem prejuízo da necessária proteção de nossos recursos naturais".
Conceitos "modernos", falou Marina, como o da justiça climática e do racismo ambiental, farão parte também da agenda e dos paradigmas que orientarão as políticas do ministério. Depois, no discurso, ela discorreu sobre o enfrentamento ao garimpo ilegal: "O brasil tem uma meta de recuperar 12 milhões de hectares de área degradada. Isso tem o potencial de gerar 260 mil empregos. É com possibilidades como essas que nós vamos inclusive ajudar a que o garimpo ilegal possa cessar e ter outras oportunidades dignas. Em vez de destrutir e contaminar, reflorestar e recuperar áreas que foram degradadas".
O Brasil, disse, precisará de parceiras para promover mudanças na área ambiental: "Não vamos nos tornar agricultura de baixo carbono da noite para o dia, não é mágica. Não vamos fazer a transição energética da noite para o dia, não é mágica. Não vamos conseguir a reindustrialização de base sustentável da noite para o dia, não é mágica. Mas vamos colocar as pilastras num trabalho conjunto, unidos, todos nós. Vamos precisar de parceria no nosso continente, na Ásia, nos Estados unidos, na África". Dentre as alianças, aquelas para ajudar com acordo de cooperação tecnológica e as de envio de recursos financeiros.