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...E o Paulo Guedes, hein?

Ministro da Economia deixa legado que divide especialistas: foi de avanços liberais à sujeição política

...E o Paulo Guedes, hein?
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Acabou para Paulo Guedes. Na próxima semana, o Ministro da Economia decola para férias já sem a perspectiva de voltar a ocupar a pasta. É o fim das atividades do "Posto Ipiranga" do governo Bolsonaro, incumbido de ser o representante-maior do chefe do Executivo na área e de cuidar das mazelas de uma economia das mais complexas do mundo. Além de elevar o próprio perfil e trajetória ao primeiro time dos analistas e executivos do país, espaço que seus iguais julgam que ele jamais tenha ocupado.

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Não à toa, dias atrás circulou na internet a informação de que Guedes teria confidenciado a interlocutores próximos uma autoavaliação para lá de generosa. Ele teria dito que se acha o melhor ministro da Economia do mundo nos últimos anos. Aversão à polêmica, definitivamente, Guedes não tem. Desde que assumiu a pasta, o futuro ex-ministro elaborou uma profusão de frases polêmicas. Num momento de recuperação cambial, disse que a "farra" estava tão grande que tinha empregada doméstica indo pra Disney; não se furtou a afirmar que filhos de porteiros não deveriam frequentar a faculdade; e num encontro com empresários do setor supermercadista, afirmou que os pratos da classe média são exagerados e que as sobras desses excessos deveriam alimentar os mendigos. Mais surpreendente do que frases, foi ver o ministro transportar para a função que exercia o aparente gosto pela controvérsia. Em março de 2020, quando o dólar estava cotado a R$ 4,60, Guedes disse textualmente: 

"Eu estou dizendo que é um câmbio que flutua, se eu fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível (R$ 5). Se eu fizer muita coisa certa, ele pode descer".

O dólar chegou aos R$ 5 dias depois, patamar onde permanece até hoje, praticamente sem ceder nos últimos três anos. 

Na reunião ministerial de abril de 2020, que ganhou larga repercussão pelo climão entre Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, foi a vez de Guedes se valer de palavrões para exprimir seu pensamento -- e seu jeito de ser "forte" -- para o presidente e demais ministros. Entre outros arroubos, ao falar sobre a liberação dos jogos de azar, exclamou sem receio: " Aquilo não atrapalha ninguém. Deixa cada um se f*... pra lá". Guedes chamou de feia a mulher do presidente francês, Emannuel Macron - e, não contente, reafirmou, para gáudio da platéia que o assistia durante um evento; chamou funcionário público de parasita; e em episódio recente - testemunhado por esta reportagem - disse que o atual governo pode equilibrar melhor as contas " porque a gente rouba menos". Pego no deslize, se corrigiu. Mas virou manchete. Para variar. 

Resposta estimulada

No domingo (11.dez) - sim, em pleno domingo -, o chefe da economia mandou que a pasta emitisse nota oficial. Irritado com as críticas que vinha recebendo da então equipe de transição, que davam conta de uma "herança maldita" repassada pelo atual governo para a era Lula 3, Guedes elencou avanços promovidos por ele e equipe. Citando uma "série de declarações infundadas", sobre o momento presente da economia brasileira, a nota oficial à imprensa responde com a seguinte afirmação : " As declarações de que o Estado Brasileiro está 'quebrado' não são compatíveis com a realidade".  E aponta seus feitos.

- Dívida Bruta do Governo: deverá terminar o ano em 74% do PIB, contra 75,3% herdados da gestão anterior.

- Contas Públicas: Superávit Primário de R$ 90 bilhões, primeiro resultado positivo nesta chancela desde 2013, equivalente a 1% do PIB.

- Combate a Pandemia: medidas para enfrenta a Covid-19 permitiram que estados e municípios tenham segundo ano seguido de superávit das contas.

- Salário mínimo: previsão [no Projeto de Lei Orçamentária, PLOA] de alta de 7,4% - com a inflação menor que este índice, prognóstico de ganho real do SM.

- Empresas estatais: Previsão de superávit de R$ 250 bilhões, acima dos R$ 188 bi do ano passado. 

Herança contratada

Filtradas por levantamentos independentes, alguns dados sobre a economia vão ao encontro do apresentado pela área econômica do governo.

- PIB: o crescimento para este ano projetado pelo boletim Focus do Banco Central é de 3,1%

- Inflação: o custo de vida estimado no Focus é de 5,8% para o fechamento de 2022

- Desemprego: taxa estimada em 8,3% -- 9,5 milhões de pessoas de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE

- Informalidade: 39,1% da força de trabalho

- Investimento Estrangeiro Direto (IED): US$ 80 BI estimados para 2023

De fato e/ou de direito

Defensor de um estado enxuto e de pouca ou nenhuma interferência pública no andamento da economia, Paulo Guedes perpetrou a reforma trabalhista, consolidou a autonomia do Banco Central e vendeu a Eletrobras, que tinha processo de privatização empacado havia anos. Avanços liberalizantes, como gostam de definir os economistas. Mas igualmente amargou alguma frustração ao não realizar ao menos um start respeitável de reforma tributária nem administrativa, e ao ver embotada a sequência que pretendia para a venda de estatais -- entre elas Correios, Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), Casa da Moeda e Ceagesp. 

Mas o principal calcanhar de Aquiles do período Guedes, sobretudo nos estertores de sua passagem pela pasta da Economia, é em relação à submissão ao ímpeto de Bolsonaro por buscar a reeleição às custas de dinheiro público, que bem deveria ter outras finalidades. Ao assinar embaixo da PEC Kamikaze, viu aumentarem em R$ 41 bilhões as despesas via orçamento às vésperas da eleição presidencial. Além de ver naufragar o projeto eleitoral do chefe, Guedes teve de engolir, por exemplo, o empenho de Bolsonaro contra a reforma administrativa, demasiado impopular para um ano de eleição turbulenta como este 2022. Cedeu ante às pressões para furar o Teto de Gastos, dispositivo que limita o crescimento das despesas do governo. 

Veja a seguir opiniões de economistas de todas as correntes de pensamento sobre o legado da passagem de Paulo Guedes pelo comando da economia. 

Antonio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia e integrante da transição de governo - "Guedes deixa um legado pífio: crescimento econômico baixo, investimento público no menor nível da história, elevado desemprego, aumento da fome e miséria. O 'modelo' que apostou excessivamente no mercado não funcionou!" 

Celso Toledo, economista e sócio da LCA Consultoria - "O principal mérito é o de ter contribuído para minimizar os danos potenciais de um governo antiliberal, intervencionista, nacionalista, bagunceiro e sem visão de longo prazo. Não usar os bancos públicos e BNDES para dar dinheiro a companheiros aumentou a força da política monetária. Montou uma equipe excelente. Privatizou a Eletrobras e abriu espaço ao setor privado por meio de concessões. Emplacou diversas medidas de caráter microeconômico que têm impacto macroeconômico positivo, como o PIX. O Banco Central ganhou autonomia. O marco regulatório do saneamento, arquitetado com o Tarcísio, foi um golaço para destravar projetos de infraestrutura, tão necessários para o país. Não houve contratação líquida de servidores. Entregou o país com indicadores macroeconômicos ajustados apesar de ter tido que navegar durante a pandemia e, em muitas oportunidades, ter sido obrigado a engolir o populismo de um governo que entregou a gestão à nata do atraso no Congresso -- que, diga-se, é retrato fiel do que é o Brasil. O casuísmo pré-eleitoral, que deixou umas cascas de banana para 2023, e declarações desnecessárias mancharam o legado. No balanço, foi um dos raros destaques positivos do governo".

Luis Fernando Figueiredo, Chairman da Jive Investments - "O ministro Paulo Guedes deixa um legado de reformas Macro e Micro, que melhoraram diversos e importantes setores de nosso país, promoveu uma redução do custo do Estado pela primeira vez em décadas. Consequência de tudo isso foi o crescimento do investimento. Ele era de 14,5% do nosso PIB e passou a ser de quase 20% do PIB, para termos uma ideia clara do que significa esta mudança no investimento, ele propicia um aumento de nosso crescimento de longo prazo da ordem de + 2% ao ano".

Alexandre Schwartzman, economista e consultor da Schwartsman & Associados - "O principal legado de Paulo Guedes é a desmoralização de uma abordagem mais liberal de política econômica. Em que pesem algumas contribuições positivas, como a reforma Previdenciária, a autonomia do BC (notando que ambos os temas já vinham de uma discussão madura), a verdade é que sua política, ao final das contas, se rendeu aos interesses eleitorais do presidente. Apoiou intervenções grosseiras no domínio econômico. A PEC dos precatórios reduziu pagamentos, mas em troca de endividamento oculto (os precatórios não pagos). As muitas alterações na regra do teto de gastos, para possibilitar aumento da despesa federal em ano eleitoral, degradaram o instrumento e agora contribuem para seu fim. A estratégia de controle de gastos pela corrosão inflacionária -- em vez de se aprofundar em reformas que possibilitassem um mudança estrutural nesta frente -- chegou a seu limite, como evidente pela insuficiência de verbas no final de 2022. Por fim, mas não menos importante, desperdiçou a possibilidade de avançar na reforma tributária, já amadurecida no Congresso, pela insistência inexplicável em recriar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). A ironia, se aqui cabe o termo, é que suas evidentes falhas muito pouco podem ser atribuídas a seu suposto liberalismo, muito pelo contrário, mas servirão de todo modo como obstáculo a qualquer político que se aventure a buscar uma alternativa ao gigantismo estatal no Brasil".

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências consultoria - "O ministro Paulo Guedes detinha talento e credenciais intelectuais para adquirir, no cargo de ministro da Economia, a experiência política e operacional para liderar o Ministério da Economia. Seu desconhecimento dos meandros do setor público e a aura de "Posto Ipiranga" que lhe atribuiu Jair Bolsonaro -- que o faria, assim pode ter pensado, a Margareth Thatcher brasileira -- o levou a subestimar as restrições institucionais, políticas e culturais à realização de um ambicioso, mas ingênuo, programa de privatização e de venda de imóveis públicos, que gerariam, cada um, R$ 1 trilhão. Nem o seu chefe comprou inteiramente o programa. O ministro da Economia conseguiu avanços, inclusive pegando carona em projetos iniciados no governo Temer, como a reforma da Previdência, o marco do Saneamento e a autonomia operacional do Banco Central, mas fracassou em seu programa grandioso de privatização e venda de imóveis. 

Guedes não conseguiu aprovar e implementar seu programa e acabou sucumbindo a pressões para ceder na política fiscal com o objetivo de contentar o Centrão e reeleger Bolsonaro. Patrocinou um calote em direitos de propriedade dos precatórios, um anátema para um pensador liberal como ele. Apoiou a criação do Orçamento Secreto, a maior aberração nas finanças públicas do Brasil e do mundo civilizado. E participou da campanha eleitoral atacando adversários de Bolsonaro, o que nunca foi a atitude de seus antecessores. Paulo Guedes vai deixar o governo sem realizar seu sonho de liderar uma revolução liberal no Brasil. Boas ideias nem sempre vicejam quando o território político não é regado por líderes políticos à altura dos desafios. Bolsonaro nunca foi esse líder. Guedes parece não ter percebido essa realidade".

O que fica

As visões à cerca do trabalho do ministro que deixa a pasta da Economia não encontrarão um consenso. É bom. E é ruim. O estica-e-puxa das visões ideologicamente pautadas jamais permitirá que a conta fique ao menos no zero a zero, por óbvio, exatamente por serem parciais. O lado bom é que, quanto mais houver discussão respeitosa e compromissada com o bem-estar social e com o desenvolvimento do país, mais desafios os senhores economistas irão se propor a realizar. A conferir. 

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