Você sairá da crise se deixar de insistir em sonhos que não fazem mais sentido
O apego a conceitos antigos atrapalhará a recuperação do seu negócio
Estevão Seccatto
Muitos empresários têm sonhos que não fazem mais sentido, dadas as novas realidades das empresas, ou dos mercados, em que atuam. Apesar destes sonhos, dos empreendedores fundadores, terem levado tais empresas, em algum momento, ao sucesso, os empreendedores devem reavaliar, constantemente, a adequação desses sonhos às realidades atuais.
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As mudanças nos ambientes, causadas por fatores externos às empresas (política, economia, hábitos de consumo, tecnologia, entre outros) ou internos (fontes de receitas, estruturas custos, margens), exigirão que os conceitos, antes válidos, sejam revisados. Tratei, certa vez, de uma livraria de aeroporto, cujos donos tinham o sonho de ser a maior rede do Brasil. Aquele negócio estava morrendo, mas os donos insistiram tanto no sonho, que adquiriram uma nova rede semelhante, e, pior, com financiamento bancário.
Resultado: recuperação judicial. Outro caso, empresa de laticínios, tinha o sonho de ser a "Ambev do leite". Por conta disso, ignorou a regionalização do negócio, custos logísticos e não aproveitamento fiscal, continuou a investir no sonho, até não conseguir mais se manter, e precisar pedir recuperação judicial.
Esses são dois exemplos de empreendedores ambiciosos, que, ao insistirem em uma ideia fixa, levaram os seus negócios a situações de desequilíbrio entre passivos e geração de caixa. Você deve abandonar sonhos inviáveis, identificar objetivos que não possuem condições de prosperar, e tomar a dura decisão de revisá-los, renovando e criando novos sonhos, novos direcionamentos para o negócio. Geralmente conseguirá isso de forma mais eficaz com a criação de uma nova perspectiva, uma nova diretriz, um novo sonho, porém, factível.
Abandonar uma estratégia significa abrir mão de algo que, em algum momento, fez sentido. Essa mudança de mentalidade, de desapegar-se, em benefício da superação e continuidade, é importante, mas difícil de ser colocada em prática. O apego pode se referir a pessoas, coisas, ideias, estratégias, hábitos, posições.
Frequentemente me deparo com empresários que oferecem resistência para se desfazerem de ativos, fábricas, terrenos, máquinas, frotas, pois se apegam a tais ativos (com pensamento patrimonialista) como reserva de valor (ou até mesmo confundindo o valor dos ativos com o valor do negócio), sem considerar o custo do capital empregado, ou o endividamento que vem atrelado ao ativo.
É um desafio convencer um sócio a vender, por exemplo, uma unidade de negócio, uma patente ou uma marca que outrora lhe causou certo deslumbramento, pois ele acredita que aquela vai ser a próxima marca a explodir no mercado, e isso dificulta bastante o processo de superação da crise. Uma marca vale o caixa que a mesma gera. Simples. Conta fácil de fazer, mas ignorada.
A mesma dificuldade ocorre quando é necessário reduzir uma operação. Tão difícil quanto reduzir ativos é reduzir operações, demitir funcionários, reduzir escritórios, uma vez que estamos falando de mudanças estruturais que exigem medidas impopulares.
Como exemplo de apego, cito o típico caso do funcionário com grande tempo de casa, mas que não atua mais como antes, mantido no quadro por ser "prata da casa". Imagine aquela pessoa que está há anos na empresa, contribuindo com sua força de trabalho. Obviamente esse profissional possui grande experiência, e deve ser valorizado, à medida que continua somando na empresa.
A partir do momento em que esse funcionário se torna um peso, que não tem mais nada a oferecer, seja, pois, sua função não existe mais, deixou de ser fundamental, ou por que acomodou-se e não se reciclou, essa pessoa deve ser desligada.
Por isso é importante, principalmente para "carreiristas", que se mantenham atualizados, e em linha com as tendências de mercado, afim de não serem demitidos por baixa performance. Existem situações também que, alguns funcionários, são parentes ou amigos dos donos, e pouco contribuem, mas causam saídas de caixa. Esse é um "vespeiro" que precisa ser atacado.
Recomendação, mostre com números que a manutenção destes custos é insustentável, e classifique essas saídas como investimentos em amigos e familiares, excluindo do fluxo de caixa operacional do negócio. Não tem problema algum ajudar pessoas, apenas deixe claro, para você mesmo, que isso não faz parte da empresa.
Outro fator de prolongamento da crise é a manutenção de clientes, canais de distribuição, fábricas, produtos, ou unidades de negócio não rentáveis, conservados por apego ou medo de faltar receita (mesmo sem margem), sem lucro, ou com efeito de caixa negativo. O ego, disfarçado de teimosia, faz com que se postergue a resolução deste problema.
Assessorei indústria de notebooks que tinha medo de reduzir receitas (time comercial resistente pois teria comissões afetadas, lutando duramente contra a descontinuidade de clientes não lucrativos). Não há demérito em perder receita que vem com margem negativa. Você estará aumentando sua margem média e, consequentemente, sua geração de caixa.
O apego deve ser analisado em detalhes, e suas causas (a raiz do apego, que pode ser interesses obscuros), e consequências, entendidas e atacadas. Outro apego comum é o dos sócios aos seus padrões de vida. Até aí, tudo bem, pois o objetivo da maioria das pessoas é ter um padrão de vida confortável.
O problema aparece quando a empresa passa a não ter condições de manter elevadas retiradas (esse cenário pode durar anos, minando a saúde financeira), mesmo em ambiente de crise.
Assessorei empresa de motores elétricos em recuperação judicial, cujo sócio, mesmo devendo salários e rescisões aos funcionários, mantinha vida nababesca, desfilando na pequena cidade com sua BMW X6, vivendo em mansão. Isso era um desrespeito com os colaboradores, mostrando atitude egoísta, que já vinha há décadas contribuindo para o fracasso do negócio.
Em uma oportunidade fiz proposta de aquisição de uma fábrica de queijos, que tinha valor negativo, mas que poderia ter algum valor se bem restruturada.
A empresa perdia dinheiro todo mês, possuía elevado endividamento fiscal e trabalhista, mas o dono se recusava a vender pelo valor da dívida. Estava apegado à marca, acreditando que ela tinha valor. A falta de gestão (principalmente de canais), não trazia caixa da "valiosa" marca.
O dono não vendeu a empresa, acabou, por falta de capital de giro, falindo. A marca foi arrolada na massa falida. O apego à marca, que não trazia resultado, fez com que o sócio perdesse não só a marca, mas, principalmente, a oportunidade de vender a empresa e renegociar seus passivos.
O presente texto foi realizado com informações disponíveis publicamente e com base na experiência prática de seu autor, não sendo recomendação de conduta, investimento de qualquer espécie.