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Consequências econômicas da Guerra na Ucrânia vão durar anos

De cortes no fornecimento de petróleo e gás a crise alimentar e inflação mais alta: até onde vai o conflito

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A Guerra da Ucrânia faz um ano e suas consequências para a economia mundial se projetam para o futuro: ainda que o conflito terminasse hoje - o que está fora de cogitação - os efeitos dos ataques a partir de Moscou devem ser muito mais duradouros. Especialistas não hesitam em afirmar que os desdobramentos para os mercados internacionais vão durar vários anos. E a julgar pela disposição do presidente Vladimir Putin, que na 3ª feira (21.fev) declarou que a Rússia vai suspender a participação no acordo de não proliferação de armas nucleares, o conflito ainda vai ter muita munição para queimar e arrastar a economia do mundo. 

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O primeiro impacto, mais imediato, a partir da eclosão da guerra foi sobre o mercado de commodities. "A Rússia é um grande produtor de petróleo, um grande produtor de gás, exportador de gás para a Europa. E a Ucrânia é um grande produtor de commodities, especialmente grãos, assim como a Rússia. Então, a guerra trouxe inicialmente um impacto nesse mercado, especialmente na Alemanha, que se tornou muito dependente do gás russo nas últimas décadas", afirma Decio Oddone, ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) , integrante do núcleo de energia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e CEO da Enauta, da área de exploração e produção de petróleo e gás. De acordo com Oddone, uma frase que se tornou célebre a partir do início do conflito usa a Alemanha como exemplo dos ecos da guerra sobre as principais economias. 

" A Alemanha mudou mais em vinte e quatro horas do que em 24 meses" - Décio Oddone, CEO da Enauta 

A afirmação diz respeito ao poderio russo no mercado de gás: o país é o maior exportador do mundo e o segundo maior produtor global da commoditie. Ao ter início a guerra, com a Alemanha entre os opositores,   corte no fornecimento pela Rússia obrigou o governo de Berlim a rever sua proporção de consumo de gás e, principalmente, a buscar novos fornecedores em condições menos desfavoráveis num mercado que tornou-se muito rapidamente inflacionado. Em resumo, pagar mais caro pelo produto.

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"Eu vejo claramente uma ameaça crescente da Rússia, ainda hoje, em cortar o seu fornecimento de gás e petróleo, especialmente para a Europa. Fazendo com que muitos países europeus tenham passado a aumentar o seu fornecimento de gás e de petróleo sobretudo à Alemanha, que está buscando o auto-fornecimento", avalia o ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Sergio Amaral. Abaixo, a íntegra da entrevista de Sérgio Amaral.

Ilustração da produção de petróleo russa: são 10,7 milhões de barris por dia | SBT News

De acordo com a U.S. Energy Information Administration, agência americana para petróleo e outros líquidos, a Rússia produz hoje cerca de 10,7 milhões de barris de petróleo por dia. O volume representa 12% da comercialização global da commoditie. Para se dar uma ideia, o Brasil produz praticamente um terço deste total, com 3,7 milhões de barris por dia, ou 4% da venda global. A Rússia ainda é dona da sexta maior reserva de petróleo do planeta, com estoque de 107,8 bilhões de barris e 6% do total, segundo o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP). O Brasil figura neste ranking com 1% das reservas globais, num total de 11,9 bilhões de barris e na 16ª posição.  

  • Estados Unidos - produção: 18.875.000 barris de petróleo por dia. 
  • Arábia Saudita - produção: 10.835.000 barris de petróleo por dia. 
  • Rússia - produção: 10.778.000 barris de petróleo por dia. 

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Na tentativa de limitar as ações e os efeitos da guerra e principalmente a concentração do poder sobre os rumos do conflito nas mãos dos russos, os países europeus, os Estados Unidos e aliados impuseram uma série de sanções ao governo de Moscou. "Em dezembro e início de fevereiro, teve início a aplicação das sanções ao petróleo e ao diesel russos. É o que a gente tá vivendo é o início dessas sanções, mas o que se pode notar é uma disruptura no mercado de petróleo global. O mercado de petróleo deixou de ser um mercado único, e hoje você tem fluxos paralelos de volumes muito grandes que saem da Rússia e não vem mais para os mercados ocidentais, e estão dirigidos aí com preços mais descontados principalmente para a Índia e para a China. Isso causa uma disruptura no mercado de diesel na europa, que afeta os eua e pode afetar o brasil também", analisa Décio Oddone. Leia-se no pano de fundo destas considerações, a preocupação com a inflação ao redor do planeta. (confira abaixo a íntegra da entrevista de Décio Oddone)

Ação e reação 

O risco para o abastecimento mundial de alimentos também entrou no radar assim que a guerra começou. Tanto Rússia quanto Ucrânia são produtores expressivos de grãos (veja ilustração abaixo), e os primeiros efeitos do início da escalada militar fizeram soar as sirenes da inflação que se revelou global.  A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a guerra e o bloqueio de seus portos por Moscou interromperam grande parte desse fluxo, colocando em risco o abastecimento mundial de alimentos. Por meses, 22 milhões de toneladas de grãos ucranianos ficaram bloqueados em silos no porto de Mariupol, o que disparou o preço dos alimentos, gerando alerta de escassez em países do Oriente Médio e África.

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O risco para o abastecimento alimentar foi uma das consequências imediatas da guerra | SBT News

Outros produtos vendidos pelo país invadido: 17% do milho, 32% da cevada e 50% do óleo, sementes e farelo de girassol. Alimentos, petróleo e energia elétrica mais caros são consequências diretas da guerra. Mais um fator a pressionar os preços ao redor do planeta que já figuravam nas estimativas adotadas por organismos como o Fundo Monetário Nacional (FMI) e outras entidades multilaterais, que já há algum tempo falam em um cenário de recessão internacional.  É que o circuito tende a ser o seguinte: diante de uma escalada de preços pelas restrições ao fornecimento de produtos impostas pela Rússia - e até pela busca por novos fornecedores de Gás Natural Liquefeito, por exemplo, que é mais caro - a resposta dos países ameaçados pela inflação é elevar os juros. O Brasil iniciou seu ciclo de aperto monetário há mais tempo, e até agora persegue resultados como a diminuição da pressão inflacionária. Recentemente, o Banco Central manifestou-se dizendo que ainda não há firmeza para determinar o início dos cortes nos juros. Mas outras economias de peso ainda vivem no presente o cenário de inflação que impõe juros restritivos. O giro completo se fecha com o efeito colateral sempre indesejado: a diminuição da atividade econômica planetária, daí permanecer no horizonte  a apreensão quanto a uma recessão global.

Estagflação

Em situações extremas, ou dependendo do momento econômico de cada nação individualmente, pode ocorrer "o pior dos mundos: a estagflação, combinação nefasta de parada na atividade produtiva com inflação em alta", dizem os economistas. Mas há palavras mais otimistas. "A essa altura o mundo meio que 'digeriu'o conflito", afirma o jornalista e economista George Vidor . Ele argumenta que as piores e mais agressivas hipóteses para os efeitos da guerra mostram-se propícias a serem recalibradas. Até mesmo o rigoroso inverno europeu, que provocou arrepios sobretudo aos países mais dependentes do gás russo para aquecimento - não confirmou as baixíssimas temperaturas antes estimadas. Longe de fazer calor, mas cada grau a mais nos termômetros também significa agora um menor dispêndio de euros para garantir o aquecimento dos cidadãos do bloco.

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De qualquer forma, os países da Europa, principalmente, até pela proximidade da Rússia, buscam alternativas para não ficar nas mãos da nação que iniciou a guerra. A Alemanha é um exemplo. "Eles [Alemanha] foram salvos pela Noruega, a Europa como um todo, a Noruega se tornou um forte fornecedor e pela importação de GNL. Então as rotas estão sendo refeitas, aquele Nord Stream 2 [gasoduto] foi adiado e o gás do Nord Stream 1 é usado mas em menor quantidade. Então eles tiveram que substituir pelo gás do mar do norte que é mais caro, bem mais caro, ou importar dos EUA que é grande exportador de GNL, que praticamente foi descoberto dos anos 1990 pra cá, os EUA exportam muito esse gás. E do Oriente Médio também, só que ficou mais caro. Então o custo da energia aumentou significativamente. A Alemanha é um país que tem uma exportação significativa, está entre os maiores exportadores do mundo e exportam máquinas, equipamentos, produtos industriais, então o custo da energia pra eles é importantíssimo. Veja a íntegra da entrevista de George Vidor abaixo.

Efeito Brasil 

No Brasil os ecos da guerra são sentidos tanto na bomba de combustiveis quanto nas prateleiras dos supermercados. O país tem 60% das mercadorias que por aqui circulam dependentes de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural para serem transportadas. Fica mais fácil perceber que, ao ver as cotações do petróleo subindo planeta a fora, as pressões sobre uma enorme gama de preços no mercado doméstico também dispararam. Subiu o custo do transporte, sobe junto o preço final do produto. Some-se a isso o fato de que o Brasil tem uma sólida relação de comércio com a Rússia. O governo de Moscou é o sexto maior exportador para o Brasil. Dependendo do item de importação de que se trate, um aumento de preço pode ser mais impactante aqui do que em outros países. Tudo convergindo para alimentar o custo de vida, a inflação. E, uma vez mais, favorecendo - pra não dizer impondo - que o Banco Central volte à carga do aumento de juros. E refrear a atividade econômica. 

Um ponto em particular merece destaque. O Brasil compra ao menos 80% dos 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidas anualmente do mercado internacional. E a Rússia é o principal fornecedor para o país. Logo, é mais um trunfo nas mãos de Moscou nas barganhas com a comunidade internacional - com o Brasil no meio - para decidir os rumos da guerra e suas consequências para a economia brasileira. Excetuando-se alguns períodos em particular, o acumulado do ano, no que diz respeito ao crescimento da atividade econômica no Brasil, exibe reflexos do conflito na Ucrânia. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vai divulgar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado no dia 2 de março. Mas o Banco Central do Brasil e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ligado ao Ministério do Planejamento, estimam expansão de 3,1% para o período. 

Para 2023, o Fundo Monetário Internacional calcula que a economia mundial vai desacelerar de 2,9% para 2,7%; no Brasil, a expansão deve ficar restrita a 1% pelas contas do Fundo. Mas para o jornalista e economista George Vidor, há razões para se acreditar num resultado melhor. "As previsões para 2023 eram dramáticas no ano passado, mas está acontecendo o contrário. A China vai crescer, a China hoje é um player, um ator importantíssimo na economia mundial. Os EUA tão crescendo quase a pleno emprego e a inflação lá tá cedendo, então é possível que o FED [Banco Central dos EUA] não precise mais ficar puxando tanto o freio de mão [os juros]. E a Europa é a grande boa surpresa. A União Europeia deve crescer esse ano. O Brasil já tem uma corrente de comércio que é 35% do PIB. É muito bom que estes mercados estejam em expansão, porque aí a gente cresce também. Vamos torcer pra que o Brasil cresça 3% este ano. 

No ano passado eu estava um pouco amedrontado com as previsões. Não sei se os economistas se apavoraram, mas eu já aprendi que é mais fácil fazer previões bem pessimistas porque se der o contrário ninguém cobra.  Agora, se faz otimista e não dá certo, vai todo mundo em cima de você 'vocês erraram barbaramente'. É melhor dizer que vai ser ruim e no final ser bom do que o contrário, falar que vai ser bom e não dar um resultado brilhante", destaca George Vidor, economista e jornalista. 

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