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Jornalismo

Jornalista relata clima na Rússia após lei controversa sobre fake news

Governo entende como notícia falsa tudo aquilo que se refira ao atual conflito na Ucrânia como "guerra"

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Russos protestam contra a guerra
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A invasão à Ucrânia resultou em sanções sem precedentes contra a Rússia. Em um pouco mais de um mês de conflito, o país está economicamente estrangulado e cada vez mais isolado. Em uma guerra de narrativas, o Kremlin não reconhece a palavra guerra e, quando fala sobre o assunto, usa o termo "operação militar especial". Tal atitude resultou em uma restrição maior ainda para a imprensa no país. 

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Alegando estar combatendo a disseminação de informações falsas, o governo russo sancionou uma nova lei que pode condenar até 15 anos quem divulgar intencionalmente fake news sobre as ações militares da Rússia na Ucrânia. A medida ocorreu em meio a uma repressão das autoridades russas à mídia independente por críticas e protestos anti-guerra. Desde então, sites de notícias relevantes anunciaram a suspensão de suas atividades no país, como a principal rádio independente de Moscou, a Ekho Moskvy, o canal de notícias Dozdh, que encerrou as atividades após receber uma ameaça de fechamento das autoridades, e o site de notícias Znak, que anunciou o seu fechamento no mesmo dia em que a lei foi aprovada, em 4 de março, citando "o grande número de restrições que apareceram recentemente afetando o trabalho da mídia na Rússia".

Agências de notícias ocidentais também foram afetadas. O órgão executivo federal russo responsável pela censura na mídia e nas telecomunicações, Roskomnadzor, bloqueou cinco organizações de mídia estrangeiras que publicavam notícias em russo. Entre elas, estão as agências de notícia BBC News e Deutsch Welle.

O fato não surpreende jornalistas locais. Em entrevista ao SBT News, a jornalista Maria Kuznetsova, porta-voz do site OVD-Info, um projeto de mídia independente de direitos humanos dedicado à perseguição política na Rússia, comentou que a liberdade de imprensa no país sempre foi restrita no governo de Vladmir Putin. 

"Com Putin, nós nunca tivemos liberdade de expressão. Nós tinhamos durante os anos 90, no regime de Boris Iéltsin, mas no século 21 e com Putin, nós nunca tivemos uma liberdade de imprensa. Ainda sim, era muito melhor, jornalistas ainda podiam trabalhar na Rússia. Claro, não todos eles (jornalistas), não podiamos falar sobre todos os tópicos. Por exemplo, a Ekho Moskvy, uma estação de rádio independente que era número um em popularidade, que sempre foi uma rádio séria, que não tocava música só falava sobre assuntos variados, foi fechada no começo da guerra por espalhar fake news sobre o conflito. Eles basicamente ameaçam todos os tipos de mídia independente. A única mídia independente que não foi bloqueada na Rússia é a Novaya Gazeta , jornal do qual o editor-chefe, Dmitry Muratov,  ganhou o Nobel da Paz ano passado, mas só porque eles concordaram em não publicar nada sobre a guerra e aí não são processados. Mas eles falam sobre os refugiados, sobre protestos anti-guerra, no entanto, eles se auto-censuram muito", relatou Maria.

A OVD-Info presta ajuda jurídica a presos políticos, também realizam relatórios para denunciar a situação no país. Em 25 de março, o número de detidos em ações anti-guerra na Rússia, segundo o site, era de 15.103. Sendo que o julgamento de dois casos já estavam marcados para ocorrer nos próximos dias. Se condenados, estão previstas penas de até três anos ou multas por divulgar o que as autoridades consideram ser notícias falsas sobre os militares, mas a pena máxima sobe para 15 anos para casos considerados de "graves consequências". Banidos no país desde o ano passado por espalhar "extremismo e terrorismo", o OVD-Info toma cuidado extra para garantir a segurança das pessoas que os procuram e de seus funcionários.

"Nós somos uma organização e nosso website já está bloqueado na Rússia. Estava bloqueado mesmo antes da guerra. Foi bloqueado em dezembro porque nós 'espalhamos extremismo e terrorismo' como eles falam, mas nós não publicamos o nome de pessoas que escrevem no site, não publicamos o nome dos nossos jornalistas, não publicamos o nome de pessoas que escrevem artigos, são precauções básicas. Alguns advogados decidiram não cooperar com a gente porque a situação é difícil, são circunstâncias difíceis e eles estão com medo."

Para Maria, as restrições instauradas pela governo só podem ser descritas como censura militar.  "O que nós estamos vendo agora na Rússia pode ser descrito como censura militar. É muito, muito difícil publicar desde o começo da guerra. Quase todas as mídias independentes foram banidas na Rússia. Facebook, Twitter e Instagram foram bloqueados na Rússia e  a corte classificou a Meta como uma organização extremista na Rússia -- basicamente qualquer pessoa que copere com o o Facebook pode ser sentenciado até seis anos de prisão. E por cooperar, as autoridades russas podem querer dizer que só de você ter em seu celular um aplicativo do Facebook, pode ser o suficiente para processá-lo."

Ela é inclusive um dos casos de perseguição política, ao ser questionada se ainda estava no país, contou que teve que ir embora depois de seu ex-chefe ser preso. 

"Eu tive que deixar a Rússia ano passado por conta do meu antigo trabalho, porque eu trabalhava para uma organização que foi nomeada 'mídia estrangeira' e 'organização indesejada' e meu ex-chefe foi -- está -- preso por isso e ele pode ser sentenciado até 6 anos de prisão e é por isso que eu fui embora da Rússia. Eu era uma testemunha no caso dele e a polícia me ligou para testemunhar e eu apenas não fui, eu deixei a Rússia. Nós temos que tomar muitas precauções, medidas de segurança, para ajudar nossos funcionários a estarem seguros - tão seguros quanto possível - definitivamente agora não é um momento seguro." 

O término da guerra ou da "operação especial militar" dificilmente será o fim da relação turbulenta de Vladimir Putin com a imprensa.

Assista à íntegra da entrevista:

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